Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

ÍÍEVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS Dona Emília tem ainda outros encantos : são dois tribunos - Cicero e De– mostenes m odernos - que falam por trás das cortinas de sêda das• suas formo– sas p álpebras : os olhos 1 Nem recolhidos n em derramados : quando querem, se espalham, quando não, se concentram. Mas nem vivem derram ados, nem recolhidos, e ai é que reside o feitiço dêles. O segredo disto é privilegio da moça. Eu de mim juro que ainda não vi olhos assim. Do Azevedo não digo mais do que está dito, e do Bastos, acrescento, ape-– nas, que é sujeito das relações do casal, caixeiro de loja de fazenda, com fumaças de conquistador. O moço, afinal, tornou efetivas as suas palavras ; despediu-se, apertando as m ãos de dona Emilia e do marido. Se apertou estas como aquelas, não- sei. Não tardou também que o casal se recolhesse, e foi depois do chocolate e de uma \'alsa. Pelo caminho foram discreteando : o Azevedo aphara salôbro O· chocolate, e atribuía à sovinice dos donos da casa : a o paladar de dona EmiHI' estava bom, e increpou logo o marido de gostar das cousas como calda. E acresce ntou arrufadlnha : -É por causa de muito açucar que você anda cheio de lombrigas. -Lombrigas ? 1 ó filha I Eliminei-as um dia destes, bem sabes 1 -Pois sim, mas continuas a ter engulhos, bola na garganta e comichões no nariz. • Foram indo. A casa estava perto. Entraram, despiram-se, dormiram. II O segundo capitulo. O Bastos foi ruminando, com o animo escaldando, dona Emllla. Era, realmente fascinante. -Que mulr.er , meu Deus I Puro botelha de Leyde 1 Recordava-se dos seus mais vagos gestos e, sobretudo, da frase alviçareira : "Já? 1 Ainda é cedo" ... O Bastos adormeceu neste trecho e acordou pensando na moça. Era domingo o dia realvorado. Vestiu-se e foi lá. -Hei de ver como me recebe. Logo da porta lhe foi mirando os olhos e cocando o sorriso. Aqueles n ão estavam com o brilho especifico do dia anterior; tinham mur– chado com a vlgilia. O sorriso também era p álido, como convinha mesmo nos lá– bios, que estavam descorados. -Passou bem o resto da noite, dona Emllia ? -Sim. Passei, e o senhor ? .;_Eu... Bastos deu um suspiro e pospôs umas reticências. A moça, de m á indústria, fez que não viu nem ouviu. 1::le tornou a suspirar. -Se quem ama pode t er socêgo ... O tom e as reticencias er am claras. /\. moça ia responder, mas o marido e ntrou, chupando os bigodes humldos de café. -Oh, homem de Deus, você não dormiu ? Vejo-o pálido como um defunto. O Bastos sorriu amarelo, teve receio de que o marido ouvisse o galanteio, e o sangue lhe fugiu do rosto, galopando para o coração. Sim, passara incomodado. E como o Azevedo fosse dar uma vis ta d'olhos, à rua, êle esgazeou sôbre .a moça um olha r ardente, cupido. Dona Emilia teve que baixar os seus, serenos e belos, e foi à janela tam- bém olhar a rua. · O marido voltou logo para de ntro. -Vou sair, disse. Visto-me j á. Podemos !r juntos, seu Bastos.

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