Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

20 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS LIÇÃO CRUEL PAULO ll-I ARA N HÃO Ocupante da Cadeira 23, " Leopoldo Sousa" Tinham .soado as 2 horas da manhã - havia cinco minutos. O .João Bastos puxou o relógio - uma velha cebola de ouro, qu e lhe vie ra do avô, por intermédio do pai, e viu o mostrudor. - Já bateram às duas, disse. Tornou a embolsar o relógio, pegou no chapéu, que tinha deixado na ca– deira, suspirou com os olhos quebrados, cm Dona Emllia, e extendcu-lhe a destra espalmada, emquanto a outra mão batía a cõxa com o cha pé u . -Fica ? Eu m e despeço saudoso . . . -Jà? Ainda é cedo.. . --Cedo ? ! Pois não ouviu que j á deram as duas ? A moça sorriu, abanando-se, lentamente, com a sua venta rola c hineza. - Ouvi, s im; mas não é tarde pa ra quem se diverte . Era a vez dele sorrir também. Bastos sorriu, mas contrafeito : -Pelo que vejo, ainda não se cansou de dansar .. . - Não. E o senhor ? -Eu não sou perdido pela dança. Uma quadrilha e uma valsa me bas tam. Um terceiro personagem cortou a cena : era o marido de Dona Emília ....:... Azevedo, de nome. Guarda-livros avulso, de trinta anos feitos, com o pé no limiar dos quarenta. Chegou sorrindo. e sorrindo saudou a Bastos : -Voeê parece que está em ablativos de pa rtida .. . Chapelinho nas unhas . . . -Advinhou. -f: cedo, entretanto. Eu ainda espero a segunda r emessa do chocolate . .. Dona Emilla acudiu, graciosamente : -:este, então, é o comilão. E .sublinhou o remoque, com um lindo sorriso, que, como olhara, simulta– neamente, para o moço, podia ser endereçado à ambos. Cada qual, à sua parte , o t om ou pa r.a zi e ninguém ficou de mal um com o outro, por causa do sorriso. Mas quem são êste Bas tos, esta Dona Emília e êste Aze vedo ? Bastos é caix eiro, moço e solteiro. Tem o defeito de se supôr objeto das atenções de tôdas as mulheres bonitas, m esmo d aquelas que o n ão v êem. O le itor julgaJ:á por ai das suas int enções a respeito de Dona Emilia, que o olha, ordi– nariamente, sorrindo. o marido desta senhora - ela o disse - tem o prazer da mesa, e só va i aos bailes, porque gosta imenso de chocolate e dõces. A mulher, ao contrá rio, vai para se mostra r. E faz bem. :t bonita, alta e cheia. Busto de Juno, rosto de a njo. Não e ra inoportuno f a lar aqui do buril de Fidias, mas já passou de ép oca. o rosto de dona Emilia t eve um escultor bem m ais famoso q ue Fidias. Se é defeito sorrir sempre, sem causa pla usível, dona Emilia possue êsse defeito. Mas nela o sorriso - diga-se antes do advento dum m á u juízo - s e explica pela necessidade de .publica r as pérolas da sua bôca. Era caso também de entrar nêst e la nço uma frase idonea, q ue se estr iba no louvor dos doutos, a qual frase Reria comparar os dentes d a môça as pcrolas d e Ophir. Mas não vamos por ai ; há leitores que gostam, outros, p or ém , que desamam 11 s comparações e querem ir Jogo, sem desvio, ao som da água corre nte do conto. pol$ v~os, 'I

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