Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

~ REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 19 tra ição, e a audácia do tapúio bexigoso, mas ainda que o primeiro grito da filha, do qual apenas haviam ouvido ao despertar, o nome do terrlvel pirata parae nse, os convenceram de que não haviam vencido o último inimigo, e en• quanto um dos moços apontava a espingarda ao peito do tapúio que banhado cm sangue, tinha gravados na moça os olhos ardentes de volúpia, Salvaterra e outro filho voltaram à sala, com o fim de guardar a porta de entrada. Esta tinha sido aberta, achava-se apenas cerrada apesar de havê-la trancado o dono da casa quando despediu o ca boclo alto. Fora m os dois homens para pôr-lhe novamente a tranca, m as já era tarde. Seu J<.ião, o companheiro de Saraiva, mais afoito que os outros tapúios, chegara à casa, e p ercebendo que o seu chefe corria grande perigo, assobiou de um modo peculiar, e em seguida, voltando-se para os homens que se destaca– vam das árvore3 do porto, como visões de febre, emitiu o brado que depois se tornou o grito de guerra da Cabanagem : - Mata marinheiro I Mata I Mata 1 Os bandidos correram e penetraram na casa . Travou-se uma Juta hor– rível entre aquêles tapúios a rmados de terçados e grandes cacetes quinados de massara nduba, e os três portugueses que heroicamente defendiam o seu la:-, valendo-se das espingardas de <;aça, que depois de descarregadas, serviam ,.,~!' ele formidáveis maças. O Saraiva recebeu um tiro a queima-roupa, o primeiro tiro, pois que o rapaz que o ameaçava, sentindo entrarem na sala os tapúios procurara livrar-.se 'ogo do pior deles, ainda que por terra e fe rido : mas não foi longo o combate ; r nquanto que mãe e. filha agarrada uma à outra , se lamentavam desesperada e i uidosamente, o pai e os filhos caiam banhados em sangue, e nos seus brancos ~adáveres a quadrilha de Jacob Patacho vingava a morte do seu feroz tenente, mutilando-os de um modo selvagem ... X X X Quando passei com meu tio Antônio, em junho de 1832 pelo siUo de Felix Salvaterra, o lúgubre aspécto da habitação abandonada, sõbre cuja cwnieJra um bando de urubús secavam as azas ao sol, chamou-me a atenção ; uma curio– siclade doentia fez-me saltar em terra e entrei na casa. Ainda estavam bem recentes os vestigios da Juta. A tranquila m orada do bom português tinha um ar sinistro. Aberta, despida dos modestos trastes que a ornavam outrora, deno– tava que fôra vitima do saque, unido ao instinto selvagem da destruição. Sôbre o chão úmido da sala principal, os restos de cinco ou seis cadáveres, quase totalmente devorados pelos urubús, enchiam a atmofesra d e em a nações dele– t érias. Era medonho vêr-se. Só muito tempo depois conheci os p ormenores desta horrível tragédia, tão comum aliás, naqueles tempos de desgraça. A sôra Maria dos Prazeres e a Anica haviam s ido le vadas pelos bandidos, de pois do saque de s ua casa . A Anica toca ra em pa rtilha a Jacob Patacho, e ainda o a no passau o, a velha Ana, lavadeira de Santarém , contava, estreme– cendo de h orror , os crue is tormentos que sofrera em sua atribulada exist ência ...

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