Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

• REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE D:': LETRAS muito isolado e grande a audácia dos bandidos. E a mulher tinha lágrimas· iia voz, lembrando êstes fatos ao marido. Mas o ruido do bater dos remos nágua cessou, denotando que a canôa abicara no porto do sitio. Ergueu-se Salvaterra, m_as a mulher agarrou-o com ambas as mãos : • - Onde vais, ó Felix ? Os rapazen lançaram vistas cheias de desconfiança às suas espingardas, penduradas na parede e carregadas com chumbo, segundo o hàblto da precaução naquêle3 tempos infelizes. E seguirnm o movimento do pai. A Anica, silenciosa, olhava alterna– damente, para o pai e para os irmãos. Ouviram-se passos pesados no terreiro, e o cão ladrou fortemente. Salva– terra. desprendeu-se dos braços da mulher e abriu a porta. A escuridão da noite nfio deixava ver cousa alguma, mas uma voz rústica saiu das trevas : - Boa noite, meu branco. - Quem está ai ? indagou o português. Se é de pa,;, entre com Deus. )l:ntão dois caboclos apareceram no circulo de luz projetado fora da porta pela candeia de azeite. Trajavam calça e camisa de riscado,. e traziam nn cabeça i:rande chapéu de palha. O seu aspécto nada oferecia de peculiar e d~tlnto dos habitantes dos sities do Tapajós. Tranquilo, o português afastou-se pera dar entrada aos noturnos visi– tantes. Ofereceu-lhes aa sua modesta ceia, e perguntou-lhes donde vinham e para onde iam. Vinham de Santarém, e iam a Irituia, à casa do Tenente Prestes levar uma carga de fazendas e molhados por conta do negociante Joaquim Pinto : t!nham. largado do sitio de Avintes, às quatro horas da tarde, contando ama– nhecer em Iritula, mas o tempo se transformara à bôca da noite, e êles, ~– ando a escuridão e a pouca prática que tinham daquela parte do rio, haviam deliberado parar no sitio de Salvaterra, e pedir-lhe agasalho por uma noite. Se a chuva não desse, ou passasse com a salda da lua, pera lã de meio noite, continuariam a sua viagem. Os dois homens falavam serenamente. arrastando as palavras no compasso preguiçoso do caboclo, que parece não ter pressa de acabar de dizer. O seu nspécto nada oferecia de extraordinário. Um alto e magro, tinha a aparência doentia ; o outro, reforçado, baixo, e de cara bexigosa, não era simpático à dono da casa, mas afora o olhar de lasclvia torpe que deitara a Anica, quando julgava que o não v'iam, parecia a criatura mais inofensiva dêste mundo. Depois que sõra Maria mostrou ter perdido os seus receios, e que a Anlca serviu aos caboclos o resto da cela frugal daquela honrada familia, Sal– vaterra disse que eram horas de dormir. O dia seguinte era de trabaho e convinha levantar cedo para ir em busca da pequena e mais da malhada, duas vacas que lhe haviam desapare– cido naquêle dia. Então, um dos tapúios, o alto, a quem o companheiro cha– mava cerimoniosamente - seu João, - levantou-se e declarou que la dormir na canôa, a qual, pôsto que multo carregada, dava acomodação a uma pessoa, pois era uma galeota grande. Salvaterra e os filhos tentaram dissuadi-lo do projeto, fazendo ver que a noite estava má e que a chuva não tardava, mas o tapúlo, apoiado pelo companheiro, insistiu. Nada, que as fazendas não eram dêle, e seu Pinto era um branco multo rusguento, e sabia Deus o que podia acontecer ; os tempos não andavam bons, havia multo tapúio ladrão ai por êsse mundo, acrescentava com um riso alvar, e de mais êle embirrava com essa história de dormir dentro duma gaiola. Quanto à chuva pouco se impor– tava, queria segurança e agasalho para as fazendas ; êle tinha o couro duro e um excelênte japá na tolda da galeota. No fundo quadrava perfeitamente à sõra Maria a resolução de seu João, 11ão só. porque pen~ava que mais vp.J~ µm hóspede que dois, corno também -por

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