Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

i, REVISTA. DÂ ACADEMIA PARAENSE D:'.:: LETRAS 13 seguro, limpido e certo. Evidentemente, aquele homem virtUO$O e monogâmico foi um ernnde sensual, d'aquela "sensualidade larvada" de que nos fala Augusto l\'Ieyer. A sua grande sensualidade não é, porém, apenas a das ideilas : é tan1- bém a dns pnlavras e é, ainda. a das imagens. O seu estilo, fino, correto e en– xuto, é um modêlo de sensualid:1dc literária - sutil, delicada, refinadisslma. que gôzo, para élc, a escolha das palavras, a seleção das fórmulas, a disciplina vigilante da construção I E ao lado disso, que sensualidade de imagens, na dcs– crlç.:i.o amorosa dos braços, dos olhos, dos cabelos das mulheres,. em cuja pin– tura (;1-:, se comprazia de modo particular. Não serão todos esses prazeres - o . do jogo das ideias, o da busca das palavras, o da evocação das imagens femini– nas - puros prazeres sensuais ? E ai está uma das contradições desse homem enigmático, cuja interpretação é um tema permanente de curiosidade e inte– rêsse. A fabulação de Machado é pobre, como era pobre n fabulação de Sten– dhal na aguda observação de Sainte Beuve. Mas é preciso r'é?conhecer desde logo que a arquitetura geral do romance para êle era uma questão secundária. O que importava para Machado, era o sentido profundo dos atos humanos, eram os episódios acessoriais, eram os acidentes marginais, de significação particular para a definição de um caráter, para a compreensão de um gesto ou de uma atitude, era o comentário moral, era a anotação psicológica. A história em si pouco valia : a narração no romance machadeano, é secundária e aleatória : o que é fundamental, isto sim, é a sucessão dos episódios, que, aglutinaqos e fun– didos, dão unidade ao rom~nce e permitem a Interpretação exata das almas ••. Este esqu.lsólde tlmido, viscoso e ressentido - como o provei n'um ensaid já antigo - deixou as marcas do seu temperamento e da sua enfermidade - mau crado o recato e o pudor com que a ambos procurava esconder - em tôdas as páginas da sua obra. Acumulando copiosos exemplos - recolhidos da sua vida e da sua obra - documentamos exaustivamente as caraterísticas dss suas ten– dências afetivas, da sua estabilidade adesiva, da sua impulsividade, da sua am– bivalência, da sua tendência explicativa, da sua iteratividade, da sua zoopsia, dos seus ritmos de repetição, dos seus Jápsos e correções, de tôdas as carate– ristlcas psicológicas, em suma, da sua esquisoldia constitucional e da gliscrodla patológica. Mas tcrfomos, com Isso, explicado todo o mistério de Machado de Assis ? Tcriamos acaso interpretado o singular segrêdo dêsse grande enigma ? Terlamos em suma resolvido o problema Machado de Assis ? Evidentemente, não. Machado de Assis é ainda e continuará a •sê-lo por muito tempo o pro– blema psicológico mais complexo, mais dlficll e mais apaixonante da literatura brasileira. CONCLUSÃO Como acabas tes de ver, o tema desta aula é extenso e complexo, além de extremamente fascinante. Examinando, posto que de passagem, os proble– mas gerais do romance e os problemas particulares do romance brasileiro, veri– ficarmos sem esfôrço que uns e outros, guardam entre si estreitas conexões e não podem ser dissociados, nem tampouco estudados separadamente. N'esta palestra o que pretendemos não foi, est:í claro, resolve r tais problemas, nem sequer en– caminhar-lhes a solução. A nossa pre~nsão foi bem mais modesta e limitada : desejamos apenas convocar-vos para um "diálogo interior" com as vossas dú– vidas e as vossas reflexões, isto é, procurei colocar diante de vós alguns temas que merecem estudo e reflexão. Refletindo um momento sobre eles, recolhe– i-eis, vós mesmos, os vossas conclusões. E a ~lnha tarefa estará cumprida se cu tiver co:1sagu.ldo captar o vosso lnterêsse e a vossa curiosidsde para os pro– blemas psicológicos do romance brasileiro, na certeza de que, se todos conhe– cerem melhor o nosso romance, mais decerto o estimarão, sei;undo o conselho de Camões. Porque, quem níio sabe a arte, não a estima. •

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