Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

REVIST'A D~ ÁÔADEMIA PARAENàÉ DE LETRA~ ' vida, do internato, identificando-se sem ressentimentos com :, juventude que ama, sonha e sofre . . . Muitas vezes revelam êles uma comovida ternura diante das inquietações e das :mgústias dos adolescentes, o que não sucede no romance de Raul Pompeia. A obra de Pompeia é mais rica, porem a deles mais com– preensiva e comovida. É que "O Atheneu" foi um ato gratuito de vingança e ódio. Certas "naturezas complicadas" utilizam essas "forma~ superiores de derivação mental" na eliminação catartica de velhos recalques retidos nas sub– camadas mais profundas da consciência. Esse foi o caso de Raul Pompeia, e pena é que a derivação níio tenha sido suficiente para libertá-lo daquele estado neurótico, tão pertinaz e severo, que o conduziu afinai· à solução dramática do suleldio. Como se vê, o problema ·Pompeia, é um problema .:omplexo e triste, mas de fácil compreensão : o drama psicológico do homem explica a natureza da obra. O PROBLEMA MACHADO DE ASSIS A leitura de Machado de Assis, um dos temas essenciais da minha "sin– fonia interior" - representa sempre para mim um convite à meditação e ao de– bate. A sua mensagem me parece, cada dia que passa, mais importante e grave. Nem creio que haja na literatura de lingua portuguesa do nl)sso tempo nen– hum outro tema que o supere cm import.incía, inter.::ssc e complexidade. :li:le é sem sombra de dúvida a maior expre,são de maturidade espiritual que a nossa cultura ainda conheceu. Trabalhando um mínimo de material exterior êle con– seguiu realizar o máximo de vida Interior - e êsse milagre é raro e admiravel. Homem do fim do século XIX, - do século de Balzac e Stendhal - Machado é anterior a Proust e Joyce. A sua aventura intelectual é, pois, surpreendente e singular, por antecipadora. :li:Je soube exercer o oficio da análise em profun– didade, dando mergulhos verticais no fundo da alma humana, com a lucidez adivinhadora dos modernos profissionais do romance psicológico. Em pleno dominio do Realismo, reage contra os seus excessos superficiais e grosseiros, e mostra-se mais humano e profundo, por exemplo, do que Eça de Queiroz, na interpretação dos mistérios da alma humana. Onde Eça punh'l ironia - um sorriso malicioso e sutil, Machqdo, n'uma contração interior do dôr intima, punha o rlctuas pungente de um cruel sarcasmo, o humor melancólico que trai amargura e desilusão . . . A metodologia do seu romance revela a disciplina se– vera e minuciosa de um civilizado. Negando e afirmando alternadamente, e muitas vezes em momentos simétricos ou simultâneos, Machado de Assis se com– praz na ambivalência e na hesitação, deixando que o método da palavra • puxa - palavra realize, sem o ar pedante de uma experiência psicológica, os exercicios mais• ousados de livre associação de ideias. Machado sabia virar O ser humano pelo avesso, mostrando-nos as creaturas por dentro - nuas e cruas. Enquanto Alencar, por exemplo, dava às personagens um forte brilho exterior, para tor– ná-las mais belas e puras, Machado mostr~va-'.l~ na sua mais triste nudez, com suas fraquezas e perversões naturais, tais quais eram de fato, sem artificies, nem disfarces. Alencar contemplava o colorido da superflcie da terra, ao passo que Machado via a escuridão grave e abafada do sub-solo . . . A construção macha– deana despreza a transcrição plástica das personagens : descreve-as antes de dentro para fora, com acentos morais de uma nitidez de água-forte, a forma re– fletindo O espirita - o rosto espelho da alma. Entretanto, como em meia du– zia de traços essenciais sabe êle nos mostrar, vivas e presentes, as suas perso– nagens I Capitú de "olhos d~ cigana, obliqua e dissimulada" - aqueles olhos que em certo momento "pareciam. ter outra reflexão e a boca outro imperlo" _ como nós a sentimos presente e v~va junto de nós, convivendo conosco, na nossa intimidade, como exemplo de astucia feminina, de dissimulação, de obliquidade moral 1. A sua descrição, de linhas sintéticas e essenciais é seca, exata, isenta de qualquer impureza, de~pojada de qualquer excesso, nasce de um só traço,

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