Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

• r. REVISTA. ÓA ACADÊMIA PARAENSS DE LETRAS 9 Gaspar Simões, confirmação dessa velha tése minha, que fõra de resto ilustrada com alguns exemplos demonstrativos. Indo aliás mais longe do que eu, o cnsaista português opta pelo conselho singularíssimo de Paul Bourget, afir– mando categoricamente que o romance não deve sequer ser bem escrito. Tal atitude, ortodoxa e radical, não se nos afigura aceitável. Mas é -defendida com bravura e objetividade. · Segundo .João Gaspar Simões, no romance o estilo é um estõrvo e tlm er-ro. A obra e o estilo, segundo êle, não coincidem no romance. Flaubert, Eça, Ma– chado, Coelho Neto, Carlos Malheiros Dias haviam sido, acima e antes de tudo, estilistas. Asses romancistas, "para o serem sem malogro evidente, pre– cisaram de emprestar às suas descrições da vida a beleza do estilo". As suas capacidades de recriação das paixões e dos dramas humanos eram insuficientes para apresentar o romance como obra de arte" . Tiveram de voltar-se para o • estilo. Entre a memória e a Imaginação nesses romancistas, haveria hiatos, so– luções de continuidade, durante os quais a inteligência, a sensibilidade, a cul– tura, o bom gosto procederiam a uma espécie de inventário, de escolha, sele– clonando episódios e recordações, preterindo a palpitação da vida pelo esplen– dor da forma literária. O impulso criador seria multas vezes sufocado pela preocupação de um exercicio de retórica. O estilo, neles, sel'la pois um deri– vativo. Seria sobretudo um artificio para contornar uma dificuldade ou suprir uma deficiência. Tôda vez que o romancista recorre às galas do estilo, confes– sa-se pobre de imaginação criadora. Quando é reduzida, no escritor, a capa– cidade de· reproduzir as paixões humanas, êle se volve para os recursos suple– mentares do estilo. Nem era por outro motivo, sem dúvida, que Paul Bourget achava que o romance n ão devia ser escrito. . . Mas antes de optarmos por uma posição tão radical nesse terreno, cumpre-nos formular preliminarmente uma pergunta : Que vem a ser estilo ? Recolho, desde logo, do grande livro de Afonso Pena .Junior "A arte de furtar e o seu autor", esta definição de Dom Frei Amadeu Arraes : "Confesso que as mais das iguarias, com que vos convido, são alheias ; mas o guizamento delas é de minha casa". "AI se distinguem, com efeito, muito bem a matéria e a maneira, coisas que, não raro, se con– fundem", acrescenta judicioso Afonso Pena Junior . De .Jean Cocteau é esta definição lapidar e que entre nós deve ser tomada como um conselho dos mais uteis : "estilo é uma maneira simples de escrever coisas complicatlas". no Brasil - e é a este estilo a que me queria referir no meu ensaio já citado - é ao contrário, uma maneira complicada de escrever coisas simples . . . Para Sten– dhal o estilo era uma disciplina do cspirito. Embora Flaubert o acusasse de ·ter máu estilo - Flaubert considerava o Rougc ct Noir mal escrito ... mas, em compensação, André Glde o admirava sem restrições - êle se impunha leituras assiduas do Código Civil, para habituar-se às virtudes austeras do estilo juridl– co : exatidão, concisão, sobriedade. O escritor deve saber exprimir-se bem. saber escrever com limpidez, asseio e propriedade. E bem escreveram, cada qual a seu modo, alguns dos maiores romancistas de todos os tempos : Meredith, Flaubert, Stendhal, Balzac, Dostoievski, Machado de Assis. De resto, o estilo, no romance, não deve ser uma fraude, nem um artificio, nem uma superfetação, como às vezes sucede, mas uma afirmação da personalidade do escritor - a sua maneira pessoal de construir literáriamente. O romancista precisa de saber da r fôrça e dignidade ao objeto de seu trabalho, à matéria do seu oficio, ao mundo que descreve. O estilo, no romance, é o tom pessoal em que o romancista se exprime. O estilo não é, em absoluto, uma coisa acessória e exterior, que se superpõe à obra, para ornamentá-la ou alindá-la, como um verniz ou um poli– mento; mas uma qualidade intrinseca da criação literária. É a forma interior na sua apresentação exterior. Fldelino Figueiredo observa muito bem : "nada mais fácil do que conhecer um estilo literário, mas nada mais dlfiéll do que defini-lo" . Não se trata apenas de uma pura "expressão verbal", senão da fixa– ção dum corte da vida, duma visão interior, duma interpretação pessoal do mundo • •

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