Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)
' \ • (3 REVISTA DA Ac:lADÊMIA PARAENSE DE LETRAS sabor da corrente, fascinados pela diversidade das aparências, fluindo com as idéias e as formas que fluem. Tudo efeito da nossa vocação espiritual para a extroversão, a ciclotimia. Aplica-se aos brasileiros a aguda observação de . Keiserling a propósito do português : somos dos póvos que mais facilmente se exprimem em linguas estrangeiras e talvez o que põe mais cuidado e obtém maior êxito em as falar com propriedade e correção de pronúncia . . . Essa ca– racterlstica luso-brasileira dá bem a medida da· nossa extroversão e da nossa ausência de personalidade. Os povos de personalidade forte - mais capazes de vida subjetiva e profunda, quando sabendo acautelar as prerrogativas es– senciais da sua vida interior - só se sabem expressar bem na ~ua própria lln– gua, que é a única que modela e representa a força lntraduzivel do seu ser. São assim o espanhol, o inglês, o francês. Entre nós, também, como em Por– tugal, a cultura nem sempre é uma sintese e uma fusão de conhecimentos, A nossa concepção de cultura é a de que o conhecimento é uma aquisição e acumulação de fatos e doutrinas que são a "última palavra" no estrangeiro. o brasileiro é em geral bem informado e erudito, mas raramente culto, no sentido autêntico da palavra. De tudo isso nasce a nossa ostensiva predileção pela filologia, pela história, pela sociologia, pela polêmica sarcástica e fácil. Falta– nos a resistência interior" que singulariza o carater, lhe dá a individualidade inconfundivel que se projeta em novas formas de arte e em originais concepções do Universo". Falta-nos, por isso também, até certo ponto, fôrça dramática e criadora. E assim se explica a nossa inaptidão para as formas abstratas do pensamento, para a introversão e para o subjetivismo. Tal fenômeno, de ve– rificação cotidiana, torna realmente singulares, entre nós, figuras como Ma– chado de Assis, Farias Brito, Raul Pompeia - homens, todos eles, que viveram fechados dentro de si meEmos, em subterrânea introversão, o qu(? prova O perigo das generalizações, como a do ensaísta luso, que considera o brasileiro absoluta– mente incapaz de interiorização e abstração. J.:í vimos que o Sr. Castelo Bran– co Chaves rechaça essa tese, porque coloca os portuguêses, ape7.ar de europeus, na categoria linear de extroversão em que o Sr. Gasp:ir Simões situa os brasi– leiros. :t falso, porém, generalizar o noção da incapacidade do escritor ame– ricano (e não só o brasileiro) para descer ao fundo da alma humana no que nela· hã de mais complexo, porquanto o Brasil já deu um Machado de Assis, um Graciliano Ramos, um Cornélio Pena, um Otávio de Faria, um Ciro dos Anjos, um Lúcio Cardoso, uma Clarisse Lispector, um Adonias Filho, um Bar– reto Filho, um Oswaldo Alves, um Josué Montelo, um Gustavo Corção, que são um desmentido formal e irrespondível à tése do Sr. João Gaspar Simões. o êrro, porém, está apenas n a generalização. Como já dissemos, essa incapaci– dade, fruto da nossa extroversão nacional, é tanto brasileira como lusa, mas comporta exceções ilustres, quer na ficção, quer no pensamento puro, quer na poesia. Na mór parte dos casos, porém, a verdade é que O romance brasileiro é de indole nitidamente linear - no plano uni-dimensional da extroversão. o romance introspectivo existe, desde Machado de Assis, Mas é- uma excessão que nos encanta e perturba ... O PROBLEMA DO ESTtLO Em ensáio publicado há cér ca de Hi anos ("Complexos de Inferioridade nas artes e nas letras" - .:·o _J~~nal") de:endemos a tése, então considerada um pouco afoita, de que O e stl10 · no sentido em que no Brasil o entendemos (isto é, como adorno verb~l, como complemento ornamental e acessório da prosa literãria) resultava de evidente e~fôrço de compensação para um certo "senti– mento de inferioridade". Os cuidados excessivos da forma, o zelo exage rado 1 tilº coincidiriam em geral com certa pobreza de imaginação criadora e peoes - 1 16· ' it i iam uma natural evasao ps co gicn para encobrir deficiências subs- const u r , tanclai1~ Encontrei, alguns anos depois, n um critico português, o Sr. J·oão· .
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