Revista da Academia Paraense de Letras 1953 (MARÇO V4 EX 5)

á ,. RÉVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS A obra liter ária é produto da inteligência, da sensibilidade, do carater. O homem está sempre presente na sua obra. F unde-se com ela. Identifica -se com ela. Nela palpita e vive. Não é passivei, pois, exclu i-lo dela, nem omiti-lo. O tempera– mento do i:omancista, o romancista êle mesmo, corpo e alma, é uma presença per– manente e inev itável na obra de ficção . F laubert confessava : "Mmc. Bovary e' est moi", Machado de Assis, por mais que procurasse se esconder e dissimular, está presente sempre em todos os seus romances. ' Diante de um romance, o primeiro problema psicológico que nos acode formular é este : o próprio livro. Como foi criado? em que condições? com que intenções ? qual o s.eu exato sentido ? qual o material utlizado ? qual a sua estrutura e qual o seu destino ? E como ioi inventado o seu estilo ? e aqui cabe .o estudo das personagens, da ação, da forma, do ambiente . Depois, logo· a seguir, sobrevem <' segundo problema : o autor. Quem é o autor deste ro– mance .?· que qualidade humana é a sua ? qual o seu temperamento, o seu ca– rater, a sua formação - Quais as s uas tendências e inte nções ? F. eis senão quan– do. deve ser•f eito o estudo do h omem-autor, as suas origens, a sua formação, a sua condição social, as su as peculiaridades afetivas e culturais, a natureza humana- do criador. E, por f_i.m, vem o terceiro têrmo d a equação : o leitor. Isto é, nós ou– tros, aqueles qu e lemos e julgamos· o livro e o autor, identificando-nos com a obra, inte rpretando-a, r ecriando-a com a nossa própria imaginação, de acõrdo com a . nossa sensibUidade individual, s egundo os comp assos de nossa melodia iO:terior ... . :11: este o processo qu e permite r: nitida e exata compreensão de uma obra, isto .é, a solução dos seus principais problemas psicológicos. o atento exame desses elementos fundament ais é que explica afinal de contas as alter– nativas da celebridade e da glória, as surpresas e os caprichos da posteridade, as dife,rentes imagens que de cada autor fazem as diferentes gerações ... · · Só armados de todos esses elementos - o conhecimento -.fa obra do autor e ·..do leitor - é que poderemos traçar o pslcoi:rama ele um roma~clsta, por exerpplo, para examinar e resolver os problemas psicológicos do romance. Machado de Assis dizia que mais vale uma onça de paz que uma libra de vi– tória . . . Esse processo, se nem sempre n os traz ao espirita de snálise uma libra de vitória, concede-nos frequentemente uma onça de paz . . • Ficamos afinal em paz, com a nossa consciê ncia e com os deveres elementares da honestidade li– terária e cientifica. · Dentro dess~ roteiro isento e reto, e apoiados nos recursos da lição mo- derna dos técnicos da etologia, da nôologia e da biotipologia, procuremos es– tudar alguns problemas psicológicos do romance brasileiro. O PROBLEMA DA PAISAGEM o roman ce brasileiro foge , em geral, à disciplina da arte de pintar as paixões humanas, pela descrição ite ra tiva, absorvente e volutuosa da Natureza. No romance brasileiro, mui tas vezes, a paisagem pretere O homem _ e assume 0 papel central, e avança pa ra o primeiro plano. Esse fato cria cert o desajustamento ent re o autor e o leitor, o que n os coloca desde logo diante do prim_eiro problema psicológico do romance brasi– leiro, tão agudamente _s urpreendi? º pel.> Sr. ~o: sés Vellinho. A pobreza pslc_ológica da nossa tr1Ste h uman~dade sem tradiçao, sem substância social e sem história, talv.ez exp~ q ~c o fenome no _- essa s_ensação de vazio interior que nos dá a leiturf1 da mmona dos romanc1sta_s _b_ras~eiros. Pais de fraca densi– d ade psicológica, de cultura escassa ~ de c1v1lizaçao primária, a existência in– dividua i, no r aso plano da_ nossa sociedade, é destituída de complexidade e de profunde~a -. "Ocupa ~da1ds esp_aço 1 ó dia quée te~po" (M. v . pg. 110). 0 ho– mem ~ntre nós, como um a e ps1co ;. ca, por isso mesmo pobre e sem interêsse. Falt;-nos assim II densidade moral e cultural que empresta às vclhai; literaturas

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