Revista da Academia Paraense de Letras 1952
l 94 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS E ali à porta, tiritando de frio, êle evocou tõdas aquelas cenas trágicas que diàriamente presenciava, e de sua aJma inocente saiu esta pergunta revoltada e soluçante : - Que mal fiz a Deus ? E , confunrlindo n .Te~ú, que beij11v11 as cria11<"1s acaricia nte, com o Ente Supremo que se nns aoresenta. nu n_n _fulgir mallnifico das constelações, 011 no P.unJuir pPre"I':! d~ t~m!I n:1r~ n nPrfeu;ao, ou no sorriso mnco_ d;ts :osas. achava tód'I aquela Odisséia através da Miséria e da Dór ,,..,,. r:r~nde 1"l1ustu;": um;i sem raz;:io. il?nor:lnrlo. no pnt antn oue êle era un1a das vitimas do a.tav}S!110 atroz nue vPm enc;tdeAniio fl,d:t :t 1,umanicf:tde sofrednrR. a ue a~scie t) pr1nc1010 cie ~ua formacão tem falseado a Vid". circunscrevendo-a em ãml)it.o restrito de um e~oismo absurdo que seoara todos os homens. av.indo cada um jso!adame n_te, nor conta própria. indiferente ROS mais. quando n~c> deveria ser assim. porem todos li~ados santamente pPI') Amor. todos trabalhando para a causa comu~. E foi assim que o Cristo pretPndeu. qua ndo serenamente risonho disse : "amai-vos uns ;,os outros·• - unindo todns os homens na car icia de um só abra– ço, ba tiza ndo-os na mansa doc ur" de um mesmo sorriso ... E o Trabalho. essa potência que abala montanhas, que muda a face do pl,.neta. que medP os oceanos. que descobre mundos. qne determina constcla– cõcs: êsse princioio ,itivo de vida. oue conforta e que alime nta. tornou-se. mRI recomp,msado. maldito r.omo um esti!(ma. infamante como a grihe t:i l O "ªroto. evc>c-:indo ~ filwra do Cristo que êle ta11 t>1s vezes vira em oleo– ,11rafias. nimbado rle luz e Q.C :1,1 ios. sentiu-se mais a nimado : quem sabe ? talv"ê:i: quando morres<e fo~sc pnra (l cé11 de aue lhe falava sua mãe e irmã - um pais e ncantado, c heio de a lmas brancas e bõas cuia tonalidade azul ferrete e ra sal– picada de >1nios rosado~. que esvoçavam plácidos " serenos como libélula... . Lá d entro da oficina o r umor cessara: o Pacheco fôra dormir no pavi– mento suoerior cfa casa. onde funcionava a redação e os garotos iam dobrando os jornais. espalhados pelo cimento, cada qual com mais presteza. para Ir-se em– bora 101?0 . <? preto G,ispnr. Ili no i\n~u lo da oficina, cochilava e ncostado num fardo de papel. cheio de preguiça e de i,ono. As primeiras moscas esvoaçavam ao redor das canecas meladas que se amontoavam a inda. num alguidar s ujo e o brázido cobria-se todo de uma cinza veludosa e finíssima. como um afôfado de flló. As liimpadas "Auer" foram amortecidas as luzes. . .O jornal do dia era um composto medonho e trágico de desastres e de su1cid10R. , O fato capital. que mais sensacno causara. fôra o assassinato de uma familia inteira. - a mulher e qua tro filhas - cometido pelo próprio chefe que. reduzido ã miséria extrema, e não tendo pão para o seu lar querido, num mo– m~nto de louc ura, matara friame nte todos, a punhal, s uicida ndo-se em se– guida .. . E o noticiarista fôra buscar têrmos retumbantes para descrevê-lo e com éles formara grandes períodos sonoros. cheios de silogismos, fazendo digressocs ~óbrc psicolo~la e explorando tódas as agonias. todof os estertores e o rilhar macabro dos de ntes das vitimas tôdas, isso tudo muito crueimente, muito cal– mamen te. como um estudante de anatomia a dissecar, sorrindo sereno. as vis – ceras de um cadáver. F. pcrcchio-sc nnquclah ml11uclosld,.dcs o fim de emocionar a turba. a f\m de que ela conver1esse aauêle sangue todo. os gritos de dor e de espanto, toda .ª h edlondez da cena_. habilmente descrita. em dinheiro, que hoje é a sintese da Vida - estranha Fem x que re nasce das cinzas da Morte ... . Sim : era a lágrima enxugando a lí1grtmu. o soluço convertido na flor purpures do riso. _E quan_do um garo~o _acabou de lêr tudo nquilo. com a.voz trêmula_e gagueJada. foi que o Antomo compreendeu a causa eficiente daquela danaçao s ':'~rema, e, instintamente astremeceu todo, como eletrizado, à lembrança da mi– sen a que 1a lá pelo seu lar pobre : o pai velho, desempregado à falta de tra ba– lho. e que de desgôsto dera para beber. êle que fõra sempre um puro e um bom ; a pobre mãe doenta e maltratada pelo marido embi-iagado : êle, que nunc_a frequentara esc_olas <.> que para ajudar o pai vendia gazetas ; e finalmente a Ina, santamente resignada ã perspectiva de um casto amor que lhe enflorava tôda a alma . . . El_a S_!!mpre dizia ao irmão: Você vai vêr, Toninho, nós havemos de acabar bem, va1 ver ... E êle sabia q~e o Artur, U!n belo rapaz honrado e que só possula uma grande alma e ?m s1t10 perto da cidade. andava a namorar a Irmã, timidamente. de modo que nmguém percebesse. Parecia mesmo haver e ntre ambos um amor s.intamcnte grande qua os fazia felizes e puros. trnnscendentalizanclo,os... Ao pcquenQ mártir couberam os jornais do costume que êle tinha de vender para com parte do resultado levar o pão conforta tivo ao seu lar tris- tonho. • E lá se foi a apregoar aquelas t.rngécti1111 tôdas com a boca multo amarg.i.
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