Revista da Academia Paraense de Letras 1952

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETR AS Os Livros E As IIustracões ., LUIZ 'EElXElRA GOMES (Jaques Flores) 67 Quando estive, em dezembro do ano último, em São Paulo, li. com e ncanto, duas interessa n tes c rónicas de Quirino Silva. brilhante colunis ta do "Diá rio da Noite". Essas duas crônicas tinham pôr titulo es ta pe r gunta : "Deve o liv ro ser ilus tr ado ?'' Não q ueren do dar resposta à sua própria p ergunta, Quirino Silva preferiu encaminh ar o assunto a a lguns dos intelectuais de nomeada , para que êstes se ma– n ifestassen1 a respeito. As opiniões foram variadas e d iver ge n tes. Cada um defe ndia o se u ponto de vista, com uma série de argumentos ra– ;-o,\\·eis. di gnos ele atenção . Antes de procu ritr s abe i·, s ôbre o caso. o p ensament o dos home ns de letras. Quirino S ilva conta com ês te e pisódio : Estava. cer to dia , n uma livra ria, quando n~~ís tiu a es ta cenn entre dai~ amig os . Enquan to um dêles hesitava e nt re uma edição s im ples e ou tr a ilustrada de l'm mesmo r omance, o ou t ro insis tia para que êle adquirisse a que possuía ilus– t:-açào. E d izia par a o primeiro, exib indo os desenhos do livro : - Veja s ó que maravilha ! Qu e coisa louca ! Ilustração assim você não e ncontr<l n1nis hoje en, d ia. Ao que o outro res– pon dia : - Mas. meu caro , o q ue m e interessa é o tex to. Não quero saber de ilus– t ração ... O p1·jmeiro intelect ual a a tender a 1Jer gu nla dt Qui rino Silva f oi o e nsaista AJcantara S ilveira. Respondendo à per gunta. disse o seg uinte : "De modo geral. m in ha resposta é negnliva. Acho q ue o livro n ão d eve ser ilustrado porque t;rnlo o roman·ce como o vol ume de vers os valem por si mesmos, is to é , não dependem de q ualq uer il us tração para terem valor . São medonhas essas ilus trações que procura m dar ao leitor a imagem "física" do que êle estâ lendo. l\i[cdonhas e in úteis. Quando o roma ncis ta escr~ve : "João e Maria passeavam pelo bosque. en qu,mto o astro-re i morria no ocas o", t anto êlc como o leitor imaginam n figura de J oão e Maria p;isseando nesse lindíssimo cená rio . E o ilustrador, por mais hábil q ue :;e ja, ni'io pode rá contenta r a todos. Ger.alme nte as mocin has, quando léem roma nce, go~tam de s e inca rna r nn he roína. imaginando que o namor ado é o h e rói "' f.at ;ilmen te as person agens desenhnrlas pelo ilustrador n ão correspondem nos dois. Quase se1n pre o ilus trador cria u n1 1·on1an ce ao lado do romance escrito, r oisa que nRo traz va n tn ~en, para n literatura. Aliás, o n1esn10 acontece com as f i– t,is de cinema extraídas da ficção : elas s5o novos romances. com p ersonagens com– r le tamé nte difere ntes, etc.. .. " - "Quer dizer que você é contra a ilus tração de livr os?" - "Sou c011tra, n os casos já citados. Sou . p orém, a favor quando a ilustra- C',i'> tradu>. o espirit o ou o s entimento do liv ro e foi justamente o que fez Ma tise ao ilustra r B :rndelaire " Malla rmé. O livro pode ser ilust.rado quando o ilustrador ~e ~er ve do te xto ape nns para um ponto de pai:tida. Veja por exemplo Segonzac : ~uas 1lu~trac;õc-s são feitas i, mar~em d a ou ra , pod<.>ndo •<>r vistas inde pendenteme nte dela. Entr~tanto, 1n A 1lO nêste~ cnsu~. h !, o p..:-rigo de o ilustrad or n ão sentir, n ão perceber o Vf'rd:icléTi·o espirito do liv ro. Ro uault, por exemplo, ilustra ndo ''.Les Ca rnets de Gilb e rt", de Marcel Arlnnd. destacou .como pr incipa l, o lado r eligioso do livro. q uanc1o. de acórdo co,n o texto , essa parte 1eligiosa é apenas um "cc.;c:t\~ rio. D is to t udo ni\o conclúa que os ilus tradores niio prestam. P elo contrá rio : lv livros de versos e roma11ces que só v alem p or ca usa das ilustr ações .. . .. Como , ., vê. Alcan tarn Silveira d isse is to. disse aquilo e acab ou não se d e- 1inindo. DecJnrn q11e . n1u it.as v ezes, n ilus tração o rna1uenta o te x to e em outras prejudicá-o. Logo, a coisa ser ia de b om e ngenho. como êlc mesmo diz, quando se conseguisse u m a afinaçiio e ntre os dois elementos : texto e ilustração. Ficassem am– bos tão int er -ligados qu e se não p udesse admitir um isolad o do outro . Outro homem de letr as a dar opi nião foi Homer o Silveira, médico " dou– h lé" de escritor , a u tor de "A tuber culose na vid a e na obr a de Dostoiewsk y", De pois de se mostrar inteirmnen te favorável ao livro ilustra do, disse êle que "o escritor e o a r tista p ll\stico são dois e ntes q ue se completam. Um como outro inter pretam - cada qual a seu modo e na sua m a neira caracterís tica de expressão -- os estados de a tma <.la humanidade. as e-moções coletivas ou p essoais. os s enti– mentos muitas vezes obscur os que vi vem no fun'do dos esp íritos. Da mesma fórma que se deve ente nder a m i~siio do músico '"' \'ida co,,t cmporânea, com uma dife– rcnçn q ue para a música se faz necessâri;i uma certa acuidade compreensiva, que nem sempr e é fácil de ~e obter por q ue é fruto de disposições especiallsslmas d a ~cnsi,bilidade de cada w11, Jus to será, pois, q ue os cs crltores e pintores se d! em as

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0