Revista da Academia Paraense de Letras 1952

48 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS Senhores e Senhoras : Minha alma dPvia sorrir hoje num júbilo de conquista e felicidade. tôda r.spírit" e emoção. M'ts isso seria possivel se eu pudesse transformar as palmas incentivadoras rer.ebicl;is em P•neranças e sorrisos, para. ao deixar esta tribuna . depositá-las. perfumos'ls e brilhantes. no colo magro da mulher aue foi a ori- 1?cm exclusiva de tôda a coragem que tive e tenho de lutar, de viver e de sofrer. O lilás de uma saudade profunda envolve o esplendor desta festa. como se o c;,_n tn-chão das mágoas s ilenciosas tentasse despertar meu sentimento para uma procissão de ;.,ngústias . Nos .l!randes instantes de nossa vida. quando há o delírio de luzes cirandando alel(rias em nosso sêr. é que a tristeza nos visita. trazendo-nos a presença de todos os ausentes, reacordando nossa alma para a v erdade das mela ncolias. f: que e u penetro. silencioso e como nunca. em todo o meu passado. e a vejo, corpo enfê rmo e magro, acariciado pela febre palustre e pneumôni<:a, cantando cantigas para eu dormir. Vejo-a, heróica na sua dor. superior n a sua dignidade •de esposa, quase ~anta na sua resignação. fazendo-me compreender que sõmente o bem digni– fica o car áter, n'I idade em aue eu só · devia me interessar pela significação das travessuras e nelas ver o ide:il de minha infância. Vejo-a. deixs ndo suas lágrimas descerem, em ondas líquidas de luzes - as suas lágrimas brilllavam. m inha senhoras, porque são pedaços do coração de Cristo os olhos d e tõdas os mães .- pelos meus cabelos lisos. quando me desiludiu da mentira radiosa de Papá Noel. numa noite de Natal que nunca esqueci . Vejo-a, apertando-me ans se us seios CHícidos e sem vida e me contando lindas histórias, fazendo de suas lágrimas sorrisos paro que eu não Insistisse em ser triste vendo-a sofrer. Vejo-a. assim, dignificando a sua desilusão, mostrando, conforme eu crescia em idade. a maior fortaleza de su;i -educação moral. Vejo-a, deixando-me ã porta, na sun cadeira de rodas. quando eu partia r,ara o irabalho. e sinto-a dominando :.is dores e não gemendo nunca quando entro rm• casa. de retôrno da labuta. E vejo-a - como é terrívt:!l a minha memória - abençoando-me com c1quela frase que s ómente hoje compreendo a significação : "Deus te abençóe meu filho da minha alma". • último fruto âa á r vore do seu desengano, porque o seu amor foi todo um desfile de s ofrimentos - e êle não devia "tê-la feito sofrer tanto porque ela íoi a mais di1ma de todas as mulhe res, a mais pura de todas as mã~s - eu só podcri-:i mesmo se r o filho de sua alma. Não pode,. poi~. florir em perf~1mes de alegrias o meu mundo interior nE,sta hor_a em q~Je tenho p reso a m1I)ha alma e aos olhos, o vulto palido de minha mae, perfeita na sua dor , perfeita no seu sofrimento e perfeitíssima na sua dignida de . Sinto-me féliz. porém, nesta hora, apesar de tôda a minha saudade. COI)Vieto do irrem<;diáv<;~ de. 1:1inha orfandade, consciente de que a morte é a m a ior verdade d1vma, Ja criei no . I)'leu sonho a mentira de outra felicidade. que pode rei perde r com maiqr fae1ltdade do que_ a lufa imensa que travei e venho tra vando para conserva-la ao meu lacto. digna aos seus pr6pl'ios olhos. Creiam-me todos. porém. e em es pecia l, vós, minhas senhoras que eu trocaria. de joelhos, tôdas as palmas incel)tiv!3doras e tôdas ns minh~s glórias intclectua i5 fut uras, para receber, neste dia rnesqueclvel, dos lábios puros da única mulher que viveu e morreu pe_n~a ndo em meu destino, a benção santa que é a mais l uminosa es trela de ícb c1ctade na estrada de tôdas as vidas humanas . Tenho dito. (23 de agos to de 1016)

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