Revista da Academia Paraense de Letras 1952
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 43 OSVALDO ORI CO, MAIS POETA QUE "CONTEUR" E um mundo de ilusões morria na alma daquêle rapaz f ra nzino, moreno e baixo. que desda as escadas da Biblioteca e Arquivo P úblico do P a rã. Nos ~cus olhos 1•eluzia um ódio tremendo aos home ns. :Meteu as mãos nos bolsos, olhou o céu e sorriu . O sorriso de certos homens é corno uma bofetada na va i– dade rotineira de tanta gente. Triste, como se seu in undo interior :fosse um cemitér io cm dia de finados. Osv:ildo Orico. último ocupante da cadeira qu e neste momento assumo, penetrou no '•Cnfé Ma nduca" . Sentou-se . Nos cafés e nos cabarés é onde o pensame nto do a r t ista ou do poeta toma tonalidade de açiio. O pensamento, nesses lugar es. resolve, decide . Osvaldo Or ico, tomando um café. pensou : "Sou filho do ferreiro Man uel Felix Or ico e de Biandina Orico. Meu pai. mestre da forja. foi o meu primeiro mestre na vida. Ensinou– me a aspereza da existê ncia e a beleza da luta. '\/linha mãe. que a êle sobre– vive. educou-me para a serenidade no sacr ifício e para a confiança em m im mesmo". Leva ntou-se. menos triste. Conf iava etn si mesmo. Aqu ela demis– síio. obra política do govêrno Stmsa Castro, talvez fosse o vento da sorte. Aquêles 150 mil reis mensais fariam falta , sim. Mas . . . Um no·vo m u ndo de ilusões se exaltou no espírito de Osvaldo Oríco, que deixou Belém, desembar– cando no Rio de J aneiro com ape nas 50 - mil reis no bolso. Mas no espírito uma inquebrantável vontade de vencer . Con fia,·a na sua inteligência. a rma de todos os ilumi nados e idealistas de ver dade. Quando e§teve a últ ima vez eni Belém , no cumprimento de uma pro– messa feita à Vii:gem de Nazaré, Osvaldo Orico. em palestra comigo. aconse– lha ndo-me a partir para o s ul da República, onde venceria com facilidade e onde tõdas as possibilidades são maiores, me disse : "Bendito o govêrno de Sousa Castr o. Devo toma r-lh'c a benção Se n ão fosse êle e aquela demissão ... Quer o um bem infinito ao Sous a Castro . Êle foi a minha estrela o m e u r ei rnago. A sua v inga nça de um m inuto recomendou-me a felicidade consta nte· na vida". Em •sua a uto-biografia , o "conteu1··• de Joana Maluca acrescenta, com uma sinceridade tão simples que comove : "A pr ime ira colocação que t ive na capital de me u pais, de,•o-a a Bruno Lobo, então diretor do Museu Nacional. Sabendo que cu era dado às 'Musas e cul tivava as flore~ da retórica. no– meou-me.. . jardineiro do Museu . Nesse cmprêgo escrevi, ou melhor pla ntei o meu primeiro livro de n ?rsos. "Dança dos Ptrilampos". que a cr ítica recebeu sob formas diversas : Osório Duque Estrada deu-lhe um coice ; Carlos Malheiro Dias teceu-lhe um mad,·igal. Vieram outros livros. E u fui andando com êles . Professor da Escola Normal, do Rio de Janeiro, de 1920 a 1930, inspetor fede– ral do e nsino secundá rio, fisca) geral do mesmo e nsino, fiscal geral do e nsino comercial, diretor da Educação ~~ Dist rito Fede ral, diretor da Educação e Cul– tura do Estado cio P ará. secre tario geral do mesmo Estado, diretor da Ed uca• ção Extra Escolar do Minist~rio da Educaçpo, tudo o que tenho s ido, tudo o que sou , devo-o ~os me us h vro~. Foram e_les que .me abriram as por tas da simpa tia e do apreço do me u pais . Foram cfes, so eles. que me conduziram e me deram ingressó na Academia Brasileira de Le tras, onde ir ia ocupar a ca– deira n . 10, fundada pela maior glória literária do Brasil - Ruy Barbosa·•. " Uma tra vessia t ão longa e tão dificil - da ca~a de um ferreiro ao Se· nado das Letras Nacionais - não poderia ter sido feita sem escolhos, com ven tos aliseos e ma r de rosas. Encontrei, certamen te, muitas m ás· vontades e inúmeros empecilhos . O meu temperam ento re tilíneo representou um desafio aos temporais . Apareceram inimigos tentando deter ou interceptar-me os p::issos. Há quem tra_te · mal a estas inofensiv~s cria tura ~. cuidando q':1e elas são fôrças do ma l. Ha quem as pr ocur e destruir como coJSa nociva ou 1mpres– tável. Eu teoho pelos meus inimigos um r espeito sagr ado . Cultivo-os e ali– mento-os como precios idade inca lculáveis" . Aqui . eu vejô o Osvaldo Or ico de v inte e ~nntos a no, a tr:ls, com GO mil reis no bolso. deslumbrado com a Cidade Marnvllhosn . E lcn1hr o os ver•os suaves cio poet::1 de "Apoteoses" : "a todos. meu amigo ou inimigo, abro simples e in génuo o coração'' E ouçamos a inda o magníüco criador de "M5os Vazias" : "Nem 'éles sabem o que representam na m inhn vida, como f azem bem aos me us nervos, como alimentam .º meu sang':1e· Os inimig<?s r el?resenta m biológicame nte em nossa h!to o papel dos loucóc1tos. Como,. pois, e vitá-los <;?U destruí-los ? i:: deixar que eles trabalhem, que ê!es atuem, pois é dessa atuaçao que resultam os glóbulos brancos do sangue" . Qua nta supe rioridade de espírito. quanta nobreza de senhmentos nessa :iuto-biografin Artista comple to, por q ue essencia lmenlc poe t.a, mais poeta que :.contem·" Osvaldo Or ico é uma legitima glór ia intelectual do B rasil. AuU>r de mais di, duas deze nas de livros, suas obras têm merecido a consae rnção cio c ritica unive rsal.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0