Revista da Academia Paraense de Letras 1952

36 R,EVISTA DA ACADEMIA PAR/1.ENSE DE LETRAS Aos 7 a neis de idade, Erna ni Vie ira foi matriculado numa escola pr i– m á ria, em For~leza. capital do C_ear_á, onde _demor ou apenas 8 meses, pois, seus pais, premidos pelas contingenc1as da vida , retorna ram a Belém e desta cidad e, em 1903, destinaram-se ao município de Abaeté, hoje Abaetetuba , neste Estado, matricula ndo-se novamen te no Gr upo_. Escolar daquela localidade . Ainda cria nça, isto é. aos 8 a nos de idade e Ja com a esclarecida consciê ncia do q ue aprendera , ncss~ c urto espaço d e tempo: p rovoca.ra , certo dia, acalo– rada discuss ão l!Om o Diretor do G rupo, a respeito da palavra "válido-valido" e, con10 protesto à teimosja do 1nes tre não 1n ais volt.ara â es.co la. Na impossibilidade de !reque ntai: outro •est.abclecimcnto de ensino, Ernani r esolveu a pre nde r com os se us llvros. A esse tempo, seu pai mantinha, naquela cidade, um semaná r io denominado. "O Comércio''. E foi nos caixolins da modesta tip ogr afia que Erna ni se fez conhecedo1· dos primeiros rudimentos gramaticais cujas quest ões a nalisava com sabedor ia precoce. Era O ta talar espon tâneo 'das asas do pássaro que. se prep arava pa ra os gra ndes vôos. Em dias de setembro de 1910, seu ,tio, residente em Recife, recebendo n oticias d o d esenvolvimento profission al de Ernani, escreve ra uma carta a Artúnio Vie ira, oferecendo-~e par a am para~ o~ sobr inhos, na capital pernam– bu cana. Embarcaram Ernam e suas duas irmas. Dentro de poucos dias em– pregou-se como tipografo, n um dos jornais recifenses, trabalha ndo quo'tidia– n amente em suas edições m atutina e vesp er tina. E aqui ficara o casal Artúnio ViE,ira, com ~ alma tranzida de sau dades dos entes queridos, qua ndo, 3 ano_s _de po!s, em a br1l de 1913, como recompensa a tantos d esvelos e cuidados, Arturuo Vieira e sua amargurada esposa, à beira do cais do porto de Belém, _acolhiam _num dolo_roso ~braço, d~ regresso a esta capital. o corpo de seu que rido E rnam, ainda vi vo, arnda palpitante de sorrisos e de amor, mas a batido por insidiosa moléstia. Opondo-se à relutân cia de seus . P!'is, Ernani abst eve-se do convívio do lar limitando-se apen as a fazer as refeiçoes em sua casa e a mora r em quar tos separados, nas cham adas "Repúblicas", dest a capital. Essa condição materia l era . p ara Ernani: não sei se um recalq ue de li– berdade aparente, ou se u m de~eJo de obscur,~ade que a voz interior l he exigia. Tateava no desp enhadeiro para o castigo sem c ulpa : a natureza em– purrava-o p ara o inferno, sem o remorso de um pecado ! Foi nessa fase em q ue ao lado de tanta misêria humana começaram de desab rochar as rosas espirituais de Er nani VieJra . Foi nessa época de amargas felicida des. q ue me coube a ventur a de conviver com o precioso "faquir'' do "Café do Buraco", à Ave nida Inde npendência nesta capital. Convivemos com. E rnani, ao tempo e1;1 que o copo de café com leite, pão. m ;:m tciga, palito e cigarro, custavam 3 tostoes, em qualquer refeitór io de Belém e 2 tos tões o quilo de tainhas frescas, no Mercado da Vila Te tn. Na época ria literatu ra do peixe frito - expressão da rdejante e incisiva de Da lcidio J urandir. Sob um lençol de fumaça das lamparinas e dos cigarr os "Te rezita" e "Rainha das Operá rias", no "Café do Buraco•·, refúgio equitativo da espiritua– lidade bnc mia de Belém, misturavam-se os a rroubos da poes ia adolesccntr de Ern,.ni Vieira, B runo de Menezes, Elmano de Queir oz. Brigido Santos E im11r Taw, res, Edua rdo Filho, Rodri_gu es Pinagé e ~utro~ que ali "comercia vam•: poemas e sonetos apaixon a_dos, a r11zao de 2 e 3 m il reis cada um, encome ndados pelo caxeir o do b otequim e pelos namorados ba ra tos que apa reciam disputa ndo " "me rcador ia literá ria", p elo p_reço ao al canc~ da bolsa . e dita vam aos poetas os temas comovedores ~o coraçao de suas <:leitas . As segundas e terças-feiras, noites de p ouco movimento os sonetos baD<avam pa ra 1.500 reis . Ernani era 0 que m ais se aproveitava da cotação, de vez que escrevia em pe rfeita for ina um f.Onc to. e m dez minutos, pondo para tr.:is os demais "fa brica ntes". ' Da lcidio Jurandir , portador de a balisado con ceito de classa, denominou ns nossos vôos de pr osador~s e poc~as. ã~uela é poca recuad~. de Litera tura tio peixe frito. Apresso-me a dizer que e motivo dl'.' p rof11nda_ satisfação pi-ra O meu ~ent ido de b ras ilidade. cor roborar na verdade da expres~ao do brilhante escritor cachoeirense. Muitas vezes, almoçávamos ~ fart a, não some nte peixe frito. m as, tambêm gordas e . saboro_sas franguinhas. a c usta dos tfbssos versos que davam em conclus ão festivos n oivados e venturosos casamentos pa ra os qua is ér amos os convidados íavorjtos . Não é ctificil pres umir, meu_s ilustres acadêmicos, que a poesia seja uma espécie d e Jormol , êssc ól eo prodigioso, em balMunador e conser vador de corpos mortos Ernani Vieirn, era u m corpo emba 1S'1morlo vivo. Aos 3:l a nos d<' idade. d Ir-se-ia um::i conc ha carunc hosa. _s ~u c•splrito - umn püolo. DcsulH'Ochavn 11 , upe rfk•ie 111m111tuúri:i d e s u11 c·oncl u;-no fblcn. n flor da poesia reliciosa e mnnso. Via-se por fora, na imhele a titude da ovc-lho diante do tifft'e voraz . Os seus v e1·~os ungem-se ele 1·e,1lgnação como os cego,1 que cantam ele olhos f echa<Jos.

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