Revista da Academia Paraense de Letras 1952

2 REVI STA DA ACADEMI A P ARAENS~ DE LETRAS t l•a face. Rcal voravéts pa ra a v ida como uni bolão d e ílor. J á c u não podia dizer que espécie de s ensação lu n,c ca usavas. S e o homem não per de. con1 o casamento. a llnguagem violenta dos se nt idos, a do sentimento lhe deve !icar inter d ita. O q ue sei é q ue não te via sem prazer, não o prazer banal com que s e revê uma pessoa a quem estimamos, m as s ob o ins tinto de emoção sutil q ue s e exp erimenta ao contemplar uma m u lher nova, a cujo lado a ge nte desejaria ,·iver , numa cons tante adoração, e para a qual se olha com fingi.da indife– re nça . N unca mais te perdi de vista, nunca mais saiste do m e u caminho. T u ias comigo, de ntro de mim. aonde cu ia . As· m inhas tr is tezas como às minhas a legr ias - bem poucas sempre foram - eu te associa va involuntà r iamente. ~cm indagar se estarias de â nimo contente diante do q ue e ra obj e to de tristeza pa r a a m inha alma, ou se c hega rias a pe nder a face, tocada de m ela ncolia , à vista daquilo que me causava júbilo . E se1n dize r que te a n1ava, pois que te an1ava. e scin nunca o te res pres– sentido. fomos ambos e nvelhecen do. Eras a penas m in ha amiga, e cm troca d a tua estima, q uiçá ver dadeir a. eu te dava uma falsa amizade. Enganei-te vinte a nos. . . Nu.nca f ui te u amigo, não o podia ser, porque te a mava, e n ão se é a migo de quem se ama . .. Quando te a per l:.wa a m ijo, o m eu desejo e ra at..ra u·-tc s õbre o peito. para que scnti,;ses como pulsava d entro délc, estranhamen te. o coração. ~mag!na que fôrça pod~r~sa não d espend i, nesse longo passad o, para esconder de t 1 e de todos a pa nrno que me inspiravas. Se me p e r gu n tasses como ela nasceu , não t 'o s aberia dize r. - Era um simples olho dãgua , d eixa que: assim m e expresse, que se f ez regato, que se fez rio e que agora tra nsborda quando os meus cabelos estão brancos. Singular contradição, nao ., ex a to ·1 Quando hle nos p robabilidad es hã d e sentir-se corn fôrça un1 se n timento, p orque os a nos já nos roubaram a maior ~oma de e n_ergias_. é que essa paixão m e dâ a , e r t igem do abismo a que ch eguei e me arrast a ;o louc ura de fa;,:eL·-te ;i re \'elação de uma coisa que é uma s urpresa na his tória das nossas re laçõe <;. · Tudo em ti se modifica . Só fal ta q u e te. c-umecen, · a surgir os ca belos de p rata. mas n ão tardarão a a nun~ia r que o ou tono da tua vida é. enfim, chegad o. J á os p rocuras te bem. no m ass,ço da tua cabeleira negra ? :l!:1<: são t raiçoeiros com o s erpentes. Oc ultam-se na sombra. :, ma,1cira d e bandid os. e esperam , p a ra se mostrar, a hqra em que a m ul her Cj uer pnreecr mais .bela - a hora e m q ue e la des pert a pa ra o amor . E com que profundo eonlt'nt1Jme nto verifico q ue em li, tudo, ou quase tud o, fisicamente. se trans formo A inda é r ubro o teu lábio . w nda as trevas n ,mam ern teus cabelos, porém o viço j uven il dos 15 a nos não uhge mais o a rzinho da tua face . Ao frescor delicado da j uventude ~ueede o tom crestado dos tri nta anos. A tez d o teu rost o perde lentamente o brilho que te ci,11~ia a ca he:<;a de.• u ma como au– r éola de div indad e . Os teus olhos - ah os teus olhos ! - j ã "ão como êsses velhos espelhos n que a idade vai. a po11co e ptJucn, arre batando o poder d e reflexão. Sôbre a pura limpidez das tuas pupilas de•,ponta m manchas que silo o carunc ho do tempo. Os teus d e ntes. c ujo esma lte cn, a rique7a da tua boca tomararn a côr arna re la que o uso d.á ao 1narfi1n. M:,s, s into que an10 essa rui na : e q uanto mais os a nos esp alham sobre ti o impalpá \'cl matiz que destinge a face das criaturas. m a is perto d e mim ac ho q ue est ás. E s ô c u te posso amar ass im, porque através do q ue hojé és, a m in hn saudade entreve a mul her cheia de graça que conheci na irrndiação da mocidacle. T u podes ti rar o cha pé u e, d eixar cair a mnd<'ixa a lv1nileme:, q ua ndo a t i veres, porque nfto c x pc rin,c11tarc1 a S(;nsac;fio q ue congelou o pe rsonagem de F laubert. Do borra lho dos mcufi a nos, ma is ::.dia n tado~ que: o~ teus, saberei extrair o calor q ue as cin7.as sempre i:: uardam . .. O tc-rnpo é a n1ão inv i-,i vel q ue te impe le a n1cus hrat;o.... Só c u te s.i;!o e t e olho. e te que r o. Não espe res mais n:id a. Não te iludas mais. Da ntes, q uando passavas. um murmúrio de estranhas frases te seguia. Hoje, nao . Hoje. ning uém 11n1is se volta pa ra te vi•r, porque há m ilha res de 1·a parigas. n o v igor dos anos, que clcsarian1 r,s o lharc.-- d os horn~ns As tuas fo rrna.s d ecaem. A tua cintura resist e jú ao a mplex o tio csparti lho. O teu posso pe rde a 1:rraci– lidadc e ;J lcv<'zn do PRSSO d n gaze la :'vla ~. rnra rni 1n, t.u continuas a ter de; for.o o o lhar, d e cannhn o Jábio, de neve a µ ele, de 11aoar as unhas, ele o t1ro a voz. de cr is!ll l o riso. No m.-u espirita quem est á p resente, qua ndo te fa lo , nito és tu. t«I como l!" vejo agora . é a 0'Jlra é aq ue la q ue tu 'fos te e a q uem nunca quis confessa r com que r ecóndito ardor a estremecia . Perdoa-me se te dii;o q ue me a legro poroue envelheces. E que, agora, estou tranquilo : n in– c;ru ém mais te cobiça r~. ningul'm mais p e nsará em us urpa r-te à idolatria do meu culto absorvente. D eus conccdc-tn, e'-1r1 ventu ra co1no µremio a nlinha p Prsever ança. E u ,., mcrero. T u brrn vis te qu<> dos home ns que.; lc :,maram, n enhum c hegou onde ·ouer las. Os teus enc,rntos n iio ti vt'ram pre~liglo ·nnra lrvn-los ,10 casame nto, e . depois de emhala rem a tua ilu si,o, vo!f arnm-t!" o~ cos tas e e n11mora ram-se de outq1s a quem se liga ram . 1.

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