Revista da Academia Paraense de Letras 1952

102 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS DE SOLDADO PARA SOLDADO D e JSMAELINO DE CASTRO Na g uerra, vão as instituições sociais primá r ias buscar s ua origem mais remota. O ins t into racional moral, que agregou os homens para formar a fam íJia primitiva inspirou a organização do bando a r mado que havia de assegurar-lhe a pr ópria so~ brevivência. Amôr e gue1·ra con1undfram-se no mesmo sentim ento mjstico de f'é Da primeira s ociedade organizada nasceu o primeiro Exército. O pai foi general antes de ser juiz; a disci plina e ra a sua autoridade doméstica; a bandeira, a lem– brança dos a ntepassados. O casamento, pela fidelidade, legitimava a prole. Pela n ecessidade de expansão, a luta con sagrava a hoste. E nenhum fenómeno social mais que a guerra capacitou os homens do "quanto é !ácil conceber, ou pelo me– nos sentir a razão das cois as; e quanto lhes é d ifícil nos seus atos obedece r a essa mesma razão'•. S6 assim conseguirá explicar-se, talvez, uma série de e pisódios aparentemen– te paradoxais em que no cenário dos ·campos de batalha, o instinto do amor é capaz de su focar os impulsos da brutalidade. E:m jâ neiro de 45, Monte Castelo er a ainda um fan tasma terrificante que de– safiava a te.nacidade e a intrepidez da infantaria brasileira. As lin has avanç.adas, em frente ao morro iat idico, fóra confiada a missão d e manter o conta to com o inimigo, a cuja potência de fogo se aliavam o frio e· a neve, ac,·escendo ao núme ro de baixas e da,; vítimas do inevitável "p é de tr in– cheira". A relativa calma da noite excitc.r:. o nervosismo do Estado Maior, na C'X– pectativa de um relraime nto alemão, que poderia modificar írremedi:ívehnen le 0 curso da batalha delineada. Era mistér, se,n perda de tempo, lançar uma patrulho à região de Castelo a fim de proceder a uni "reconhecimento agressivo" além ele Abetaia. Fixado seu efetivo em pouco mais de um grupo de combate, e sob o coman– do de um tenente, entrou o destacamento a suhir, rastejando pelo imenso lençol d.e gêlo onde, a despeito da brancura dos equipamentos, e das naturais precauções, não teriam tardado os nazistas a descobri-los . .Era tática s ua, todavia, a que os nossos se não Jnostrarain infensos n1ais tarde, consent.lr no avanço, até que 05 homens f icassem ao alcance do " tiro de matar". Por isso mesmo, :ls primeiras des– c argas, a penas n1eia d:ízia 'deleS escaparan1 com vida. Cônscio de suas responsabilidades e da inutilidade de gu::ilquer esfôrço, o t e ne nte de terminou a retirada, d~ bai.xo dP. tremenda fuzila ria que se prolongou até atingirem o ponto de partida. S6 e ntão pôde verificar a ausência de um jovem sarge nto que, pelas suas virtudes pessoais, soubera iazer-se o mais valente e que– rido companheiro da unidade. O momento, porém, não comportava lamentnções. E já o oficia l se apres– tava para transmitir ao comando o insucesso da investid a, quando um soldado, ., "Mineiro" - um negro de quase dois metros de estatura, conhecido de_todos pela coragen, temerã1·ia que, e ,n contingências an terio res, lhe valera a~ ma1s honrosas citações - des tacando-se dos demais, numa voz g rossa, que a emoçao tornava mais cava ainda assim falou : . . . . _ Cun1 licença, sô tene nte, eu vir ondi o 8ç1rgen.to caiu f1 r1 do e su nu1n restei ê li c umigo purque os gringu num mi dexarum r astejá té lá. Fiz 1orça t.·e,s véL. e a lu.rdinha trêis~ vez ris_cou u gtdu nas 1ninhus barl.Ja ! Mas a.eor:i cu vou panhá ê li pode dexá, so tene nt, . . . 'd , .Nuo mtu a111igo nãc, ... -- i11tcrrc.,n1pcu o tcnl!nLe. cu1uov1 o ••• - lldO ad ,a.nt ;-a-1·r1séar-se de no~o. o snrg.t..:n to esta rnorto <:: voct! jrin perdf•r ~ v ida . tar:;– b ém. Cl.)nJ,cço a su::, 1 bravura e sei do que hcri.:.1 capaz, n1us nao P~~~o ,fi 1~ 6 ;~~-t; ]} t sacriJjcio. Por ora, estll c u1npr1do o nos~o dever. . .·· em sem~ 1an e . Jogo à noite Jorernos o po~:;1veJ JJnro 1r L1 tora, rc- ao capicao do que aconteceu e. . : colher noss_os camar ada;> e dar-lhe~ ~ep~ltlll ?. Sargento ti, vivu, t enho certeza ;;ô - Nao, so te ne nt1, p"lo amot 1 . e_us · · ·: • l' caiu num tá mor to n ilo. Homi tenenti, tá só firidu, 1~ws t.a•• v~vu ~ ~~i,~~~ob~~t'a eili grin'gu ! Vou ~anh à ê li, sõ te– cum~ :,quele num va,. morie u, . Senhora uisé. sordado qu1 tem vergonha n e11 t1, e vo u vortád,. si Deduus ee ~~!!: grin <>u nL?m pres ta, mas são sordado tam- num 1n3lo outi·o 1surn1a , :;.. . . b bem• • • Curti licença 1,gsuôémte noepntiu.cie~~;tâ el! ,! "Mineiro" tra nsp ôs a estr_eila salda do E antes que a ' • • e retirou o e~ t · j,· d pé deitou calmamente o fuz1l sobre a n ev ,. upace e, abrigo. ds-se ':' ,,.;ento despiu O capote_ tudo com a convicção de estar sendo desfez-se ºteqi~!rvado 'p elo advers.'.lrio _ e a passos firmes e decididos, e nca- rigorosamen e · d l, · , inhou-se na direção dos pos tos avança os a emaes. . m Acotovelando-se, os homens acorrer am aos observatónos e, indlf'erentes ao trio, passaram a acom~anha r "Mineiro" com os olhos. -;f

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