Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

44 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS Cinco anos conviveu com os religiosos, mas o rigor ex– cessivo do regulamen to do colégio - êle afirmou mais tar– de - despiu toda a indumentária dos seus sonhos. E, sú– bit o, raiam-lhe n a alma as primeiras manifestações da sua emotividade poética. Na embriaguez de mergulhar no mundo das belezas, às horas taciturnas da noite, quando a via-latea, genuflexa, reza as suas litanias de arminho e a vida universal cerra as pálpebras cansadas, o seminaris– ta encantou-se na leitura de livros profanos. E, assim, leu "Os Doze Pares da Franca" e "Robinson Crusoé" Sua a lma fremiu diante de um n ovo mundo e, ao ler "Írace– ma", de José de Alencar, como da corola das rosas se des– prendem aromas, brotaram-lhe os primeiros versos. Sem poder conter os impulsos iniciais do seu estro, como con– tinuar naquele recinto escrevendo baladas de amor? Daí eclodir a renúncia à vida en t re os religiosos. Fora do seminário, inebriado pela pletora dos seus sonhos, o ex-candidato a padre almejou um mundo mais vasto para as suas atividades poéticas. E a Amazônia, na grandeza das suas selvas e majestosidade das suas árvores, acolheu o futuro cancion eiro das suas maravilhas. Au– reolado pelas chamas douradas de um sol fecundo, os dias se lhe tornaram um cântico de esperança . E teria de vencer, galhardamente, porque já era possuidor de um las– t ro de cultura admirável. Revalidou o seu curso e, com uma nova paisagem a deslumbrar-lhe a vida, ingressou na Faculdade de Direito, de onde mais tarde saiu bacharel em ciências jurídicas e sociais. Os homens de inteligência conquistam vitórias a gol– pes de talento e com esta arma de poderes indescritíveis, Remigio Fernandez ascendeu ao magistério, r egendo tur– mas de latim no Ginásio e lecionando francês e literatura na Escola Normal. Abroquelado da coragem de um nauta da Idade Mé– dia, a profissão levou-o para Cachoeira, como juiz substi– t ut o . Ali, no silêncio b ucólico dos encantos marajoaras, a musicação das frondes alagou-se em sua alma pante– ísta. Aquela vida pacata, todavia, dura-lhe pouco tempo e, de volta a Belém, enquanto fez do Forum o seu campo de labor, em concurso, que raiou pelo brilhantismo, con– quistou a cátedra de latim no Ginásio Pais de Carvalho. E tornado professor da língua lat ina , sucedendo a J oão Pedro de Figueiredo, o velho colégio da praça da Bandeira constituiu-se o tabernáculo onde ele, anos a fio, transfor– mado em sacerdote do magistério, derr amou os seus ensi– namentos à mocidade. Sim, lá naquele casarão vetusto, Remigio Fernandez edificou o templo da sua felicidade e ali se desnastraram os seus dias de amor. Lecionando as declinações latinas, traduzindo os versos de Ovidio e Virgílio, de uma das suas alunas fez a virtuosa companheira da sua vida, esposa amiga, a lgo de santa que, com os olhos em lágrimas, no qua r to de um hospita l, vinte e nove anos depois, assistiu aos últimos momentos do companheiro que a morte arre– batou dos seus brnsos e dos seus carinhos. ' ' ,,,,.

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