Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)
• L REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 43 palavra a rivalizar com a cantiga dos pássaros e dos ven– tos ; voz que tinha algo da canção rumorosa das catadu– pas e sempre doce e maravilhosa, soberba e arrebatadora. Apolinário Moreira, o templário que, de panóplia e elmo, se sagrou o triunfador de tantos prélios, circundado pelas álgidas montanhas mineiras e tão longe da planície natal, fechou os olhos para sempre. Quando o sol irradiante se espalmava em uma auri– rósea manhã de maio; quando os sonhos multicores da mocidade enchiam de esperanças os dias de Paulo Eleuté– rio Filho, o gladiador heráldico rolou por terra. E quando todos nós pensavamos finda a fúria dos céus contra este Silogeu, ei-la sinistra, veemente e desalmada, levando-nos outro companheiro de tantos anos, velho nas lutas pelas letras, mas sempre cheio de uma jovialidade espiritual. Remigio Fernandez, a última árvore a tombar, reves– tido de uma coragem desassombrada, enfrentou a poten– cialidade do temporal, sem abdicar daquela bravura tão heróica e transcendental que o distinguiu na vida. E porque a morte tenha levado a sua alma para o reino dourado das estrêlas, a Academia Paraense de Le– tras vem quedar-se, neste instante, na tristeza desta hora de saudade, na singeleza desta homenagem póstuma, a homenagem mais eloquente que os seus companheiros de jornada podem prestar a quem se fez um simbolo da eru– dição e da inteligência planiciárias. Para a desincumbência desta hora de recordações, quando um pesar nos invade a alma e uma angústia re– trata o tamanho da saudade que ficou em cada canto deste sodalício, os meus pares acharam de escolher-me para o desempenho da tarefa e, n.o desacerto da escolha, preteriram aqueles mais dignos, e que, pela cultura, estão mais perto do homenageado. Talvez a Academia decre– tasse a minha presença aqui pelo liame da amizade que nos prendia. E na crença de ser esta a verdade, não fugi de atender a generosidade dos meus companheiros. Vinculado ao mestre por uma amizade, cujas raízes se aprofundaram nos nossos corações, desde os primeiros al– bores da minha juventude acompanhei-lhe a marcha tri,– unfal. Remigio Fernandez abriu os olhos em 1881, naquele recanto da península ibérica, na longínqua Espanha de Cervantes, invicta dominadora dos mares nos séculos que se foram. Serviu-lhe de pátria aquela Espanha que pro– porcionou a Colombo a concretização do seu sonho, essa Espanha onde se admira a beleza austera da Alhambra de Granada e onde os olhos humanos se quedam diante das maravilhas que deslumbram e eternizam a catedral de Toledo, símbolo da alma artística de um povo e do espí– rito cristão de uma nacionalidade. E nesta terra, que mais tarde seria o berço dos seus filhos, desde 1893 banha– ra-se da luz a rdente dos seus sóis, como aluno do seminá– rio de Mariana. Quantas miragens vê na vida eclesiás– tica e, levado pelos anseios de fazer-se sac·erdote da igreja, abnegadamente, fez do estudo a sua profissão de fé e a ~lmenara luminosa da sua trajetória.
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