Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

REVIS'l'A DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS cher-se de coros sacros, dêsses coros que rescendem a in– censo e mirra, de tal modo que não se pode ouvi-los sem sentir o perfume das essências preferidas e nem se pode sentir delas o perfume, sem ouví-los. O "ite missa est" dos sacerdotes vinha-me aos ouvidos da alma, juntamente com a clarinada estridulante dos galos que proclamavam chegado o Menino Divino e com o vozear alegre dos homens que festejavam o evento. Junto à lareira modesta, onde crepitaya a lenha e assava a carne no espêto, eu via a mesa tôsca porém as– seada, que reunia para ceia substancial, a família e os amigos do campônio valdense. A sala vivia intensamente aauela noite. O a r vibrava inusitadamente, agitado pelo júbilo dos comensais e disseminava aromas amenos. Não eram perfumes caros, nem esquisitos. mas eram o cheiro morno elos cernes a a rder, o do môlho com que, de mo– mento a momento, banhavam o assado. o do vinho a es– pumar nos canecos e até o elo gado sadio e o do feno, que provinham das cava lariças e dos estábulos bem vizinhos. Os flocos de neve tombavam e no écran de meu cére– bro, sucediam-se ver t iginosamente as mutações de cená– rios, as saídas e en tradas de personagens . Mas o motivo permanecia e eu contemplava mentalmente as ceias de natal e ele nouvel an do proletário, elo remediado e do abastado. Dos ambientes familiares, o pensamento tr ansporta– va-me ao "Coniglio Bianco", humilde hospedaria perdida em uma estrada, já não me lembra qual. Naauela tarde po– rém, eu a via, como ainda a vejo, hoi e, tôdinha recoberta por nívea alcatifa, tão espêssa que dificultava as passadas do viandante. cuja ambição momentânea resumia-se em alcançar o coin du feu do "Con iglio", onde sabia encontrar verdadeiro oásis para sua fadiga física e moral. E não só aí, mas também nas espeluncas dos povoados, nos cafés e restaurantes das pequenas cidades ou das grandes me– trópoles, eu encontrava os ausentes do lar reunidos a con– fraternizar, manifestando a grande satisfação aue empol– ~a a humanidade, nas noites consagradas de 24 e 31 de dezembro. Quer o vinho fôsse anônimo, quer ostentasse rótulo famoso, quer se contivesse em canecos de louça, copos de vidro ou tacas de cristal, quer os homens se conhecessem de longa dáta ou de horas apenas, no acaso das viagens, os canecos, os copos e as taças se tocavam e brindes sim– ples ou bomb~sticos se t rocavam. A alegria imperava da per tutto, porquanto a S. Nicolau e a S. Silvestre coube o privilégio de quase fazer desaparecer do quadro negro da vida, os vestígios de qualquer desventura. Não se limitavam aos brindes, todavia, as permutas de_ expan sões amigas . No minuto zero de primeiro de ja– neiro, quando as luzes se apagam por instantes a tradicão permite que também se troquem beijos de amo{· tanto nos salões onde as sanfonas se esmeram na execuçã~ de inter– mináveis polcas e quadrilhas, onde o tirolês ulula, onde tout le monde mai·ca o compasso com palmas, como nos

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