Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)
I<EVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS seu amigo lUoliére, o que constitui episódio notável e dígno de reparo: o maior dos fabulistas ao lado do maior dos poetas cômicos. Sem ser prõpriamente um increu, o seu es– pírito parecia pouc.o cristianizado. A sua ingenuidade alia– da à simplicidade e pureza do seu coração, fez com que a sua governanta, ouvindo as exortações do Padre Ponget, no seu leito de enfêrmo, carinhosamente exclamasse : "Laissez-le mourir en paix. Ce pauvre homme, il est si bête, que le bon Dieu n'aura pas le courage de le conclamner". Assim, r ealmente, retratam-no os seus contemporâneos : "La Bruyére"). "Dans la societé, il paraissat lourd, grossier, stupide". (Louis Racine) - II n'y mettait jamais du sien ; et mes soeurs, qui, dans Ieur jeunesse, l'ont vu souvent á ta– ble chez mon pérc, n' ont conserve de lui que l'ideé d'un homme fort mal propre et fort ennuyeux : il ne parlait point, ou voulait toujours parler de Platon. (Abbé d'Olivet) - "A sa physionomie, on n' eut pas deviné ses talents. Un sourire niais, un air lourd, des yeux presque toujours éteints, nulle contenance. Rarement il commençait la conversation ; et mêmc, pour l' ordinaire, il y était si distrait, qu'il ne sait le plus souvent ce que disa– ient les autr es". As suas fábulas, os seus contos, os seus apólogos são, entretanto, de uma beleza admirável, instruindo e aformo– seando o quadro ou melhor, o fundo moral da tela, com uma perfeição assombrosa. Certamente, por essas qualida– des de espírito que ornavam o caráter do nosso persona– gem, é que dizia Mme. de La Sabliére, com doce carinho e demoníaca perversidade : "Eu verité, mon cher La Fon– ta.ine, vous seriez bien bête, si vous n'aviez tant d'esprit". Foi, com efeito, por uma notável reunião de qualidades excepcionais, singulares e eminentes, que La Fontaine con– seguiu a glória da imortalidade, como o mais original e o mais útil dos poetas franceses. Imitando os outros, clizcm os seus biógrafos, tornou-se inimitável, pois vem atravessando gloriosamente os séculos como o mais famoso poeta francês e incomparável mora– lista. Acentuando nestas cles11retenciosas linhas alguns des– vios de mentalidade que apresenta o 1>oeta e relacionados êsses distúrbios a uma remota. motivação psicológica, não queremos, com isso, diminuir, de nenhum modo, a admiração · que o mesmo desperta pelo primo1·oso talento e simplici– dade de coração, que o faziam respeitado pelos seus con– temporâneos, nada obstante as suas deficiências psicológi– cas. Concluindo : - La Fontaine foi na realidade um supra– norma l, cujos predicados característicos assim se podem resumir: Espírito livre à outrance ; temperamento esquizoide ; ambivalente ; introvertido. Inimigo irreconciliável do vício, sob qualquer de suas formas e aparências. Adversário i~reconciliável da maldade e da hipocrizia. Em suma, moralista, profundamente moralista, amante da beleza e mensageiro da bondade. Tal foi La Fontaine,
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