Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)
166 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS SIMPATIA HUMANA NA ARTE MODERNA De CAMERINO ROCHA Sob as eloc1uentes e tumultuosas profissões de fé, do mais altivo Individualismo, com que a arte moderna se afirmava e Instaurava tôda uma vasta e vibrante filosofia da solidariedade humana apa– recia, prefigurando formas de beleza e uma concepção nova da vida. Nos gritos de inigualável revolta ou nas lamentações d eses– peradas, nas afirmações d e uma irreligião que o coração mais do que o raciocínio erguia sôbre a s próprias desilusõ es, como nas evo– cações en ternecidas de épocas felizes e mortas, a nossa percepção hoje só descobre e aplaude e ama, êsse apêlo doloroso e ardente a uma sociedade desco11hecida m as tutelar, o longo, o afetuoso cha– mamento, à alma sosoral de uma coletividade que, afinal, de par com os poetas que a anunciavam, compreendesse e minorasse o so– frimento humano. Entre os seus frequentes acessos de febre volutuosa ou- Intelec– tual, a Impetuosa juvenilidade romântica foi fecunda no seu as– pécto libe rtário. Hugo emancipava, com um soberbo sorriso de tranquila ironia, a Fantasia atormentada dos clássicos. Byron realizava-o na própria vida, graciosa ou tr:igica. Alfred de Vigny procurava, ansioso o tremito das emoções intensas e contrativas e o seu perfil pessimis– ta e silcntc muita vez me recortou, como uma corrosiva água-forte, sôbre os campos de batalha solitários. Shelley ve rgastava admirá vel e Indelevelmente tóda uma sociedade. Assim, os elementos revolu• cloná rios que são o fundamento de uma r ecente arte de oposição e desabafo crispavam e enobreciam o espírito dêsses g ênios apaixo– nados e inquietos que reclamavam a absoluta liberdade no t eatro e no romance, na poesia e na vida, e desencarce ravam, de súbito e violentamente, a alma de seu tempo. Afetivamente. Para a quimera, pa ra o extase mórbido, para as contempJações ex altadas de épocas que surgiram deformadas, transfiguradas, alu– cinando a Imaginação com quadros de uma magnificência so lene ou macabra. Uma sêde infinita de comoções profundas la Invadindo e torturando a Imensa legiã o de almas a gitadas, que gravitavam ver– tiginosamente em tõrno dos grandes artistas rebelados. O presente exiguo e escravizador insinuava, com um veneno pode roso e sut,íl a nostalgia das civilizações derrocadas e ine rtes, mas que guarda– vam ainda e sparsas inúmeras sugestões de Beleza, e, imortal entre as ruínas, a flor do Sonho. No fervor de extraordinàrlamente sentir que dominava o cará– ter romântico, as dores imaginativas a gravavam e completavam as tristezas reais, e os séculos transactos de História convulsiva ou suavemente idílica emoldurav am essas melancicas de pensamento indeciso e abrazador. Do cadinho dessa crise amarísslma la emergir mais pura, sen– sitiva e compreensiva, a a rte contemporâ nea de uma arte mais acessível à bondade, mais compassiv a, mais afável aos miseráveis, ornada com o bom das lágrimas, r ecolhendo na vasta maternidade dolorosa do seu seio todos os ilótas e todos os desamparados. Era um r esultado inevitável da evolução biológica e uma necessidade urgente, imperiosa d a evolução socia l. Tislol6gica ou social, a dor é t anto ma is lancin an te e rica de Inflexõe s quanto mais delicado, v ivaz e complexo é o organismo em que ela se de bate ; a percep– ção a g uda d essa d or exigia também uma r eação organizada, sincera e universal. A arte de oposição presente veio responder a essas t en– dências, clarificando e h a rmonizando a sensibilidade romântica e amorosa da ficção, com o culto impert urbável d a Verdade, aliando os mais finos processos de análise a o mais forte poder de Idea– lização. Uma robusta coluna de legioná rios das letras la envolver num círculo de agressiva observação, de im placável inspeção de todos os áridos preconceitos, de t ódas a s injustas legislações, a sociedade Ituma na, d e revelar-lhe, sob o fala z esplendor a perdurável e negr a miséria que a condena, indicar-lhe os obscuros flagelos que a excrucia m, os inconscientes hepolsmos da rua e os crimes impu– ~es dos salões, a e splêndida flor bizantina da prostituição e os seuli
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