Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

REVlSTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 15ê gação histórica de vultos e de obras antigas. sem que, para ampa– rar-lhe êsse ataque a outrancc, milite um ponto sólido de partida . A critica demolidora. irreverente, deshumana e nociva, t al como tem sido aplicada para as epocas remotas, com seus homens e seus feitos, desvir túa por completo o conceito histórico e produz. em consequência, a estéril anarquia qu e já se observa na filosofia da wistória. Deixando de lado o prejuízo moral que se inflige à memória dos grandes vultos que se negam assim como o falseamento da edu– cação que se imprime na mocidade escolar ressalta. sobretudo. a parte moral que acompanha todos os detalhes da história humana. Negar a exis tência de fatos e de homens, por simples disposição de ânimo ou por desvirtuamento propositado dos dados históricos, n5o é conduta digna de espíritos entregues à nobre tarefa da cul– tura. Apro uve à critica demolidora invocar a hipótese e a duvida na existência de Homero. A critica literária a outrancc, sem critério suficiente para jul– gar. recusou a Illiada e a Odisseia como obras do mesmo autor. Não quis compreender a realidade histórica de Homero, para dar a indivíduos anônimos a glória apagada das duas epopéias. A Illiada e a Odisséia, dizem os críticos modernos, diferem no- tadamente. a'~ Ha entre elas a distância que separa o estio do outono . A pai– xão, o movimento. a ênfase. o calor. o tom épico que alentam os versos da Illiada, não se divulgam na Odisséia. No roteiro que assinala a volta de Ulisses à ilha de !taca o poeta guia-se pela mão de Minerva. A sabedoria e a prudência vão de mãos dadas. Não se vislum– bra o es trépito bélico que conturba os contornos de Troia nem as iras celes tes, na furia do combate. Aos clamores da luta, em que o h eroísmo redime da morte com– pleta a Ulisses . Agamenon, Heitor, Paris, Patroelo, Helena, Andrô– maca, emudecem na longa viagem do esperto r~i de !taca, onde Circe e Calipso· substituem os pendores guerreiros de Juno e Venus, pela vida suave dos deleites, pelo amor e odore di femina. Dessa divergência que caracteriza duas naturezas distintas, afir– ma a critica demolidora e dissolvente, se deve concluir que são diC fe rentes os a utores dos dois poemas. Avalie-se, porém, o valor da critica contemporânea, falta d~ senso e de conhecime ntos sólidos, em frente à critica antiga de emi– nencias como Longino. o superior filósofo do "Sublime". Conhecedor emérito do grego, poeta e pensador, a par da cul– tura e da história gregas, notou de pronto a dissemelhança aparente entre os dois celebres poemas . Viu, porém, que era o mesmo Homero, unicamente Homero, o autor feliz e glor ificado da Illiada e da Odisséa. Esmagan do irremediavelmente a critica coeva e futura, essa cri– tica ignara. embebida em fel e em inveja, o grande e desgraçado ministro de Zenóbia . conceitua as duas epopeias por uma feliz e graciosa imagem. A mesma gra ndeza que se pbserva na llliada, depara-se n a Odisséia. Certo, na Odisséia não existe o calor que se sente na Illiada. diz êle. É que Homero escreveu a Illiada na mocidade, e a Od1sséa, no declínio para a velhice . Ambas as epopéias são grandes, embora divirjam na emotivi- dade. no estilo e na tempe ra. Diferem apenas como o sol do meio dia para o sol poente . Ha entre estas duas posições a diferença do calor . O sol. porém, é o mesmo . A gr andeza é a mesma. Uma grande dose de pedantismo tem influído na critica mo– derna. _O d':scnso _dç i_ndividuos . medíocres, de precária instrução pri– n1ár1a, nao se 1nt1m1da ern adiantar se por searas desconhecidas . . . Altas individualidades literárias, também autoridades no idioma pá trio, apenas. nfoitam -se tocar e vindimar em campos estranhos . Saint Beuve não foi dos m ais conscierrtes críticos. Avançando por sendas perigosas, atolou-se muita vez . · Não se p enetra debalde pela terra a de nt ro, sem exploradores e sem segur ança. Cada civilização encerra uma alma singular e cada obra é um m undo. É mister , para conhecê-los, habitá-los .e senti-los no coração Nem sempre a .fama literái:i11 é a melhor beleza ' P ezembro õe 1024. '

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0