Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

14 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRA$ Schelling disse que "a vida é a tendência à individuali– dade". De feito, a matéria viva, em vez de se mostrar em mas– sas contínuas como as rochas, é distribuida em indivíduos distintos. Nos animais, nas plantas, nos protóbios, notam-se sempre salvo simbioses ou monstruosidades, existências in– dividu~is : os homens, os carneiros, as sapucaias, as bactérias são seres independentes. Apesar disso, a definição é passível de crítica. Em pri– meiro lugar,, ela visa menos as mudanças funcionais, que constituem a vida, do que o aspecto estrutural das agrega– ções de matéria organizada : é um definido antes anatômico é>l.! somático, do que fisiológico. Em segundo lugar, com– preende na idéia de vida coisas que daí se excluem, por exemplo a cristalização : todas as vezes que um mineral toma o estado s ólido em condições de tranquilidade, lenta– mente, dá-se um arranjo regular de suas partículas mole– culares produzindo cristais bem definidos ; nesse fenômeno de ordem física, a matéria inorgânica demonstra também sua tendência a individualizar-se. A sentença de Riche– rand - "a vida é uma coleção de fenômenos que se suce– dem um ao outro durante um tempo limitado em um corpo organizado", está sujeita ao inevitável óbice de se apli– car do mesmo passo à decomposição que se opera depois da morte, onde há a mesma coleção de fenômenos que se suce– dem em limitado tempo. ·. A vida, segundo Blainville, "é o duplo movimento inter– no de composição e de decomposição, ao mesmo tempo geral e contínua". Esta definição, que Augusto Comte classifica luminosa, foi aceita e propagada pelos prosélitos do positivismo. Ao juizo do genial filósofo, n ão deixa ela nada de im– portante a desejar, a não ser uma indicação mais direta e <'Xplícita das duas condições fundamentais correlativas, ne– cessàriamente inseparáveis do estado vivo : um "organismo determinado" e um "meio conveniente" . De aviso contrário, Spe ncer nota defeitos n essa defini– ção . A seu vê r, ela convem ao que os fisiologistas chamam "vida veget a tiva" ou nutrição propriamente dita, mas ex– c)ui a "vida d<:_ r elação", is!o é, as f unções nervosas e mus– cular es, que poem o organismo em contacto com o mundo exterior. Doutro lado, ela se aplica não só aos fenômenos de integração e desintegração que se operam em um corpo v ivo, mas t ambém a outros que se dão alhures, numa pilha elétrica, por exemplo, onçle se passa um duplo movimento inte rno de composição e de decomposição, ao m esmo tempo geral e contínuo ... A primeira censura de Spencer não colhe, por insubsis– tente quando se encara a ,v ida celular , e não as suas moda– lidades no indivíduo de organização complexa e elevada . A vida tem de ser êa racterizada n a sua manifestação elemen tar, protoplásmica, ' onde não existem ainda funções, e a penas as simples propriedades f undqtnenta is da matéria viva - a nutrição, a ir ritabilidade, a cont ratilidade, tudo muito conexo, num ser diminuto, invisível a olhos desarma– dos. Só num organismo mais adiantado, multicelular, é

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