Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

,,,a REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS · 151 teio, êle daria 11or finrlo o romance, enviando-lhe uma carta como desfêcho, tal qual se faz cm ccrt..'ls novelas amorosas. Tinha porém o direito de abusar da pobre rapariga que tanta confiança tinha nêle ? Era justo fazer com a sua radiosa mocidade experiências psi– cológicas? Ah, os grandes enigmas dos vinte c três anos ! Quantas noites o velho pai também, viuvo e falto de caricias, não passara insonc, cm lutas iguais ,,quela ! (Era uma sede infinita) uma infinit.."l ,insia que a alma t razia desde as suas remotas origens. Sedentas de an1or, alvas 1nnas, outras neg ras de enigmas, acicatea– das pelo desêjo, enoveladas pelas dúvidas, tôdas procuravam o manancial cn1 eterna romaria, encontrando alivio às vezes, outras vezes caindo sufocadas, estrebucha ndo de sede ... E ali perto cstavnn1 o pa i q ue não se saciara; Elsa, que ia sa.. tisfazer-se na lama, atolando-se tôda; Ercilia com os sen tidos alte– rados a correr, talvez, para a n1iragcm enganosa; êle a debater-se, a interrogar-se, crivado de dúvidas, sem saber se devia chegar-se à fonte azul que tão perto ele si corria fresca e marulhosa, ou se devia ir 11rocurú-la mals long-c, con1 medo de ser envenenado . . . Fora, na paz da rua silenciosa, o g-uarda noturno apitava; outro mais adiante respondia-lhe e mais lon 1;c também outro apitava, propagando-se aquêles trilos como rastilho ele J)ólvo ra a Incendiar-se. Longe cães ladravam; e uo quilit:tl os ~atos gritavam como crianças estranguladas ... Eram os seus amores aquêles - assl1n r;'ritados e doidos . .. Para a propai;ação da espécie era preciso a quela dor bárbara e trágica ! E nasça a osga ou nasça o homem - a tortura é a mesma. É a carne J>:tssando à carne a formid:ivel h erança recebidas desde o momento c1ue principiou a sêr . . . E nascetnos polarizados 11ela dor, porque somos produtos de espasmos ... Ela vibra na nossa carne miserável como o som na corda tensa do violino, e vibra n 'alma como dolorosa recordação de crimes do au delã E vacilando todos, como Atlas clcsfa lccidos, ao pêso enorme da nossa consciên cia, vamos pela Vida às apalpadelas, aos encontrões, esbarrando nos en igmas e nas esfinges ... Invaelielo por essa onda silen ciosa rle pen samentos amargos, e sentlnelo quanto era desgraçado, êle começou a chorar ... Sua aln1a agora andava assim vibrátil. A s menores cousas co-– n1ov iam-no : as manhãs de sól, as tardes pielancólicas, as can ções ciue os trabalhaelores derramavam pelas ruas, o canto das cigarras e as flores abrazadas dos flamboyants ... A sua sensibilidade cada vez m ais se afinava : sentia mil sen- sações delicadíssimas, súbitos enternecimentos; às vezes c1u~ria fixá-ia em versos, porém tais emoções eram irredutíveis ao verbo I\1as os menores fatos, as mais insignificantes · cousas, caiatn dent ro cio foco de sua visão estética. Na sala ele jantar o relógio vagarosamente deu as doze bada– laelas da meia no ite. No quarto de Elsa houve resmungos. Na cozi– nha ratos cl1iavam e corriam apressados. Pela rua quieta passava a carroça elo lixo cstronda ndo no maca– elam e 1 arando a espaços. Homen s falavam, batiam nas latas e as jogavam sôbre os passeios. Muito longe cães ladravam. o sino da igreja cio Rosá rio foi derrama ndo 110 silêncio pávielo lentas e tar– donhas baelaladas . . .

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