Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

150 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS E foi por uma noite assim, de combate e de agonias, c1ue lhe vc•io à memória um livro de Nordau que o Juvêncio lhe emprestara. Seria êle um dos capitulados na obra extraordinária do filósofo ? Degenerado . . . Os estigmas eram evidentes : aquela sua paixão pelo rubro, as_ bruscas e desordenadas alegrias que o assaltavam. por vezes ; medos covardes que em certa.s ocasiões o empolgavam ; certos apetites infames que lhe agrediam a carne como chicotadas d-e nervos ; o grande e intenso misticismo que o fazia conservar-se nas igrejas horas e horas, mergulhado no silêncio claustral das naves vazias. . . E êle herdara tudo aquilo ... A mãe morrera louca, a irmã era histérica... E recordou a pobre senhora desgrenhada e pálida, os olhos abertos num grande terror pânico, a boca escancelada num trágico espanto, fugindo à sanha do demônio, a percorrer eSJlavorida a grande casa silenciosa Meu Deus ! E quem sabe se êle também não findaria daquêle modo ! Talvez até o seu espirito se estivesse alterando ... Trêmulo e u.ervoso, mirou-se no esp elho que pendia da parede: fitou-se longamente e de súbito desconheceu-se, ficou como que ad. mirado de existir ... Afastou-se com horror e foi sentar-se no leito. Ficar louco ... Não, que tolice ! Ainda pela manhã e a tarde estivera com Geo• vanlna e lhe beijara a boca vermelha, ao atravessarem o jardim da praça dos Andradas, cheio de sombras e silencioso. E pelo caminho todo foram falando do casamento. . . E entre• gou-se ao seu sonho . . . A mãe da costureira e o padrasto já sabiam daquêle namoro e uma tarde o con vidaram a entrar e acrescentaram que podia Ir Já, dc, vez em quando, conversar com ela. Mostraram-se até muito sa• tisfeitos com aquilo. Os grandes oferecimentos e a aquiescência dêles encheram-no de júbilo. Mas agora, na grande 1,az conselheira da noite alta, todos aquêles fatos causavam-lhe repugnâ ncias. Parecia que aquela gente exultava com o seu aparecimento, como quem acha preten– dente para mercadorias sem venda .. . E mesmo Geovanina com ntnita facilidade se deixav a abraçar e beijar . . . As cartas que Jlle escrevia faltava certa pudlcicia ruulto natural numa donzela . . . No infalivel post escrlptum dizia sempre : beijo-te bem na boca e no pescoço, naquele lugarzinho que tu b em sabes ... Aquêles anseios da carne virgem, aquêle aspirar de volúpia9 mais altas, ofendiam-lhe certa delicadeza inata ; porque, apesar das brutalidades que o Juvêncio pregava no Amor, êle se conser• vava sempre afastado das asperezas da realidade, envolto numa larga réstea azul de quimeras. No entanto Mari:arida deixava-se ficar num recolhimento pú– dico, timida e pura ; escrevera ao namorado apenas um cartãozi• nho. E até Ercília, que estava com os seu s dezenove anos comple• tos, tôda se pertubava quando falava ao Lélio .. . Tôdas elas se retraiam e se esquivavam ante o mistério per– turbador. . . Só Geovanina marchava para êle alegremente, inundada de venturas . .. Mas devia censurá-la por isso ? Afinal de contas tôdas não Iam dar ao mesmo ponto ? No fim de tudo não era a Carne que t riunfava, na vibração divina da volúpia? O Juvêncio tinha razão. Havia muito romantismo no amor. • Visto sem os óculos de Pangloss e sem os gritos de Cassandra, ele só tem o alto escoJlo : a propagação da espécie ... O repórter dissera · algures: o Amor é uma esplêndida mentira consagrada por v inte séculos de literatura! Mas apesar daquelas idéias livres e certas, também se contra– dizia pelos Jornais, publicando romantismos pálidos .. . i;:le, Júlio, casar-se-ia com a italiana ; gozariam magnifica• m ente a lua de m el. . . E se depois viesse aquela fase terrível de que fala o Judeu filósofo ? Se emp6s a realização de seus dese– jos lhe viesse uma grande saciedade, um tédio enorme que lhe rõsse azinhavrando os dias? ~le ~á não sentia aquêle entusiasmo antigo, aquela febre inten– sa por GeC!vanin_a ! Ago ra vivia t ranquilo, depois que vira tangível o seu esplendido sonho, depois que lhe atirara beijos. E se aquêle amor fosse apenas uma alteração v ezânica dos sentidos? Quem sabe se no dia seguinte ao casamento, no leito nupcial, não se lhe des. vanecerla a miragem ? Convinha então esJlera r ; e se o amor por ela fosse arrefecendo, .,omo J)arecla, como can ção c1ue morre num lon1,o e triste 1,arç-an-

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