Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

.148 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETMS lho. Desta vez, Aristophanes ergeu-se à altura- do jornalismo da opinião, independente e convicto, arrosta com as iras do poder, e, soberbo, impávido, desafia o raio que brilha e se agita nas mãos de Jupiter. Chega um momento em que, incapaz de con ter a indignação, fingida ou real, que lhe inspira o homem novo guindado à ditadura, o satírico cospe-lhe à face, nauseado e desta vez trágico, no meio dos cortesãos que aclamam o vencedor de Sphacteria, na presença dêste, a peça dos "Cavaleiros", onde o a utor, na falta de quem se atreva tanto, representa o papel de tirano. A coragem de Aristophanes honra o seu carater, mas e, sobre– tudo, o seu estilo, comparável ao dos melhores mestres da língua grego, ora enêrgico como o de Demósthenes, ora e ngraçado como o de L ucia no, or a poético e can tante como o de P índaro e de Simo– nides, "jor nalisticos" como o do mais violen to Tir têo par tidário, que lhe assegura a imor talidade . Nos seus menores escritos o espírito esfusia como um fogo de vista. E, se nem sempre mereciam a qualificação de áticos, os seus gr acejos, salvo talvez por terem brotado do mesmo sólo que a oli– veira sagrada, se alguns são grosseir os e até imorais, primam sempre pela espontaneidade, q ue é um dos maiores encantos das "folhas vo– lantes", na expressão de Luiz Venilos, e poucos excedem em ousadia erótica as narrações, traçadas por certas penas, das mais nojentas aberrações do instinto genesíaco ! A naturalidade. a graça, o vigor. dotes dos mais brilhantes obrei– ros da imprensa, são também as más q ua lidades principais, ao mes– mo tempo que, nos golpes vibr ados em pleno rosto dos adversários, ferve antecipadamente o rancor implacável dos solitários das red a– ções, apertados, como num ciculo de ferro, entre o ataque de boje e a desforra inadiável de aman hã . Num ponto Aristophanes muito logrou ser jornalista. Os Ate– nienses, rebeldes às imposições, r iam-se de Cleonte e de H iperbo– los e no dia seguinte sufr agavam-lhe os nomes para os m ais altos cargos da República. É mais um argumento, seja dito de passagem, a favor da ino– cência do nosso poeta, apresentado ao tr ibunal da opinião que por vezes quis responsabilizá-lo pela morte de Socrates. Ao autor de comédias cabi~ o di reito de me ter a ridículo os personagens eminentes. em dar ao povo, na parabase, garrida como os nossos articulistas, p~tr ioticos conselhos. Mas a sentença u lterior dependia do único soberano, o velho Demos, reunido nos seus co– mícios , sem que se atravessem os discolos, a arriscar a menor cen– sura. O próprio a lgoz de Cleonte tem medo, vê-se claramente, do r a – bujento ancião. Por mais q ue o apode de papa-favas, de caduco, de desuma no e lunático, a t riste sorte dos generais e dos politicos, o terror que lhe inspira n concha de ostra, o obriga a andar ao redor déle, a tencioso e servil, "abanando" éle também "a cauda", como o curtidor Cleonte e o toucinheiro seu substituto. Lastimamos a necessidade de fazer esta constatação . Mas é ainda urna homenagern ao grande cõ1nico, tuna páHda imitação das suas ousadas "parabases" impregnada, por contág io. de sinceridade aristophanesca, que oferecemos aos numerosos admiradores da Gré– cia incomparável, mãe dos deuses , dos gênios e dos heróis.

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