Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)
f r 1 1 1 ~ 1 1 ,,,,, REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 147 assim dizer sagrados que a pena de morte resguardava das investi– das interesseiras . Constiluiam o orçamento da arte, intanglvel, sobranceiro à eloquência e "º poder. Não nos seria diflcil escrever sobre a obra de Aristophanes erudito, intcrmino e massudo artigo. Abundam as fontes de infor– mações largamente abertas a quem pretende acompanhar o desen– volver genial da comedia antiga nascida no regaço de Palas. Os nomes de Dcschanel, de du Méril, de Jacques André, de Terté, de Schneegans, e mil outros, são familiares a quem se dá ao estudo das cousas helênicas. Não deixa de espantar - é forçoso confessá-lo - esta abun– dância de pormenores em assunto tão estéril, quando do célebre cômico sabemos apenas a data do seu nascimento. as ocasiões e o tempo em que foram representadas certas p eças quando nos falta a maior parle das obras primas a que deu o ser, ignorando cras– samente o local do seu berço, as peripécias de sua vida, quando da sua morte e provàvelmente a parle mais rica da sua bagagem literária. Talvez seja essa mesma incerteza em que tropeçam os auc escrevem sobre Aristophanes o motivo da super-abundância dos comentadores e crilicos. A curiosidade humana teima em de– vassar os acontecimentos que mal lhe aparecem na penumbra dos tempos idos, e, na falta de dados históricos, dá largas aos devaneios da fantasia, ousada usurpadora dos direitos e elas funções de Cllo. Ninguem nos levnrin a n1al lancar-nos tainbém. através do es– casso urdume da certeza, a trama iriada elas hipóteses. Preferimos glosar simplesmente o apelido de jornalista que encima estas linhas, acrescentando aos outros títulos de glória que exornam a cabeça do gênio, ou mesmo, para não incorrermos no desagrado dos guias da opinião pública, encarregados de indicar ao povo, em cada dia, a exemplo do Senado Romano convocado por facioso tirano, o mô– lho com que deve regar o rodovalho político, substitui-lo pelo de panfletário que, por vezes, se confunde com o outro. Nada escapa às dentRdas, às unhadas de Aristophanes. na posse plena de todos os privilégios da comédia antiga. Os filosofos, os poetas, os oradores, os demagogos, os generais, os financeiros, são chamados à barra do seu tribunal, ouvem as mais duras admoesta– ções, os insultos mais crueis e tremem. Tal qual os nossos publi– cistas, pelo menos os mais apaixonados, trata todos os assuntos po– liticos, literários. sociais, filosóficos, religiosos, com a mesma intran– sigente e atrabiliaria autoridade, eructando sentenças, ejaculando condenações, distribuindo castigos, impiedoso, tétrico, tonitroante. Ai de quem, como Cleonte, o processou por ocasião dos "Ba– bilonios". Ai de quem. como Euripedes, destrona o seu idolo Es– clido. ferindo-lhe a delicadeza literaria ! Ai de quem, como Socra– tcs, irritn-lhe, com o feitío do nariz. o amor do belo, com o con– vivio plebe u, as preferê ncias aristocráticas, com o sistema filosóíico, o culto da antiguidade e da tradição . Dos inimigos do poeta Euripedes foi ainda o menos maltratado. Além de alguns epi1?ramas, por sinal bastante agudos, o grande trá– gico pouco sofreu do latego sempre le vantado sobre os contempo– ri\ncos. Socrates teve mais largo quinhão na distribuição dos ataques : acusado de impiedade ou antes de ateísmo, servindo aos seus discí– pulos argumentos grotescos que Moliére requintou, avô caricato dos filósofos nebulosos que afirmam a identidade cio ser e do não ser, do justo e do injusto, do bem e do mal, fica por obra do cômico, entre o estoque da tradição e a parede do dogma . Sem duvida, ultrapassaram os limites das deduções legitimas os que quiseram vêr em Aristophanes o verdadeiro algoz de Socrates e nas suas in– vestidas o principio da luta ciue levou à prisão e à morte o p ai da filosofia grega. O próprio Platão, no "banquete", descreve as relações amistosas dos dois gênios tão profundamente diferentes, e o largo espaço de 23 anos que medeia entre a representação das uNuvens" e o iníquo processo de Anitos prova que, se, contra tôda a verossimilhança, um foi o colorário ela outra, muito tardou em germinar a semente de ódio lançada pela comédia no espírito dos Atenienses . O verdadeiro alvo das setas ervadas do Mestre é Cleonte chefe da demagogia, general amador, tribuno ruidoso, onipotente ~ usur– pador .. A propósito de tudo e até fóra de propósito, em cada peça que, Minerva alada, lhe surge do pensamento, o poeta criva de apo– dos, o seu espantalho. atribui-lhe todos os vicios nega-lhe as mais comesinhas qualidades, empresta-lhe os mais baixos sentimentos, descobre-lhe taras secretas, intenções interesseiras e criminosas, ri– diculariza na mesma pessoa nivelada com os piores aleijões do mun– QQ moral, o ~ui;rre4'0, o íldminµ;\rador, o f iní\nçei,o, o ~omem, o fl•
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