Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 143 VESPASIANO RAMOS De ELMANO QUEIROZ (Excerto do discurso de posse de Elmano Quei– roz na Academia Paraense de Letras) Desse que, como Alvares de Azevedo, foi poéta. sonhou e amou na vida, se alguma cousa se tem a dizer de sua personalidade literária, -diga-se de "Cousa Alguma". . . · "Cousa Alguma" .. . titulo de seu livro publicado. Documentar sua biografia. ou, ao menos com um retrato, sua sin– gularíssima personalidade. fôra tarefa impraticável, porque Véspasia– no Ramos foi um poéta caracterizado por tamanho desprendimento de si mesmo, que a seu respeito sô é interessante dizer-se que foi ·poéta ... cantou e amou a vida. Foi poéta. como Guimarães Passos, que, no afirmar de Paulo Barreto, nunca agiu por conta própria, deixando ao destino tal es– fôrço. Cantou con10 cantarn os passarinhos, in1provisando harmonias, sem pa rtitura escrita, mas em arroubos s ubtis de suave ispiração. Assim cantando foi que um passarinho atraiu para um bosque o monge cio mosteiro do apólogo de Bernardes. E assim cantando foi que a ave o entreteve por mais de 300 anos, para realizar o milagre que se operou no espírito incrédulo do sacristão fantas1na. F. assim cantando foi que Vespasiano Ramos atraiu, sem o J:)erce– ber, um circulo grandioso· de veementes admiradores. E amou na vida, cmno am::un as criaturas românticas e nervosas, de alma contemplativa e coração sensível . .. Não tendo a rohustez de músculos e nervo$ dn plástica impecável cios herôis lendários do amol', era Vespasiano, pel..> aspecto, "humilde e candura!, como frade de aldeia", no templo pagão de sua crença .moi;ta, :a• rez.ar . sua prece de saudade. a esgota1· o cálice da amargura de uma suprema desilusão, ante o altar deserto do seu ídolo, a· ima– gem da mulher que êle idolatrava com decidida paixão e irremediá– vel tanatismo, mulher que êle amou uma vez e não esqueceu mais. Porque jarnais a esquecia. seus versos era1n queixumes. São ésses queixumes de aves solitilrias que os poétas simples como Vespasiano Ramos soluçam ao correr da pena, e passam do papel para a bôca do povo e desta para a tradição popular que lhes glorifica o nome. O grande Coélho Neto cita um exemplo edificante do encanto quase místico que têm essas canções ao sabor lirice do povo. . . . Num rancho agreste de tropeiros, em pleno rincão do pampa, numa noite de esplêndido luar. Veio-lhe um rumor de serenata, em que um violão docemente quérulo, gemia na solidão . .. E alou-se, em mavioso concerto, a voz nostálgica de um cantor. Então o grande romancista brasileiro er– gueu-se do seu leito de folhas e saiu à porta da ramada, pisando des– calço o relvedo frio ... E quieto, encostado ao esteio, deixou-se estar, embevecido na can– tiga tão sugestiva e tão doce. naquéle vasto cenário quase bíblico. E a canção que fez Coêlho Neto levantar-se de seu leito de fo– lhas, e sair pisando descalço o relvedo frio, foi essa mesma que há anos, muitas vezes ouvimos aqui, cantada e repetida, hoje lembrada .com saudade : foi a "Casa branca da serra" ! A ..Casa branca da serra" 1 Quem, ao ouvir, alta noite, essa modinha e não procurar entendê– la imitando Coêlho Neto; quem não quiser bem a essas coisas boni– tas de nossa terra, de nossas luas, de nossa gente, ou sofre de surdez fi~~frts belezas dahna, ou se dará por suspeito, se disser que é bra- "Miss Dólar" é uma criatura romântica, que Machado de Assis quer que seja imaginada através de um prisma de melancolia : pálida, delgada, escassa de carnes e de sangue e que devia alimentar-se de chá e leite, adicionando-lhes alguns biscoitos para acudir às urgên– cias do estomago ... A s ua voz devia ser um murmúrio de harpa evolea; o seu amor, um deSJ?aio ; sua vida_, uma contemplação ; sua morte, um suspiro .. . Assim era Vespas,ano Ramos : sua fala eram rimas e arpejos de s1:1a líra poética; seu amor foi o desmaio em que sempre viveu; sua vida, uma contemplação; sua morte, um suspiro de agonia.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0