Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)
Í34 REVISTA DÁ ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS NOS REFOLHOS DO PASSADO De ROMEU MARIZ (PAULO ELEUTÉRIO FILHO) Os vivos são sempre e cada vez mais go– vernados pelos mortos. - A. CONTE. (LIDA NA REUNIÃO DE 25-6-950) Aqui estou. Convocado para fazer uma prédica, revelar conceitos ou porventura, produzir uma Homilia? Bem conheço meu precaris– mo de capacidade, eu <1ue ansiava entoar um canto, um hino de ternura em memória de quem 1>artiu. A essa convocação, porém, como fugir, como evadir-me, se ela importa uma ordem que para mim implica num dever a cumprir, o que executo dentro de amar– gas injunções intelectuais e de afeto, nesse instante de horríveis• conturbações? A voz de dolorida intimativa da Academia não ex– prime, nem de leve uma penitência ; é, antes, para mim um ato de contrição, que eu rezo súplice, em carinhosa devoção fraterna, alma dilacerada ou pungitivo pesar . . . * Aqui estou. Não venho dizer que Paulo Eleutério Filho morreu, acabou-se, extinguiu-se. Jamais articularia tão feral proposição. Um Imortal não morre, não se acaba, não se extingue. A Imortalidade é peculiar ao talento, inerente à inteligência, à cultura ; a Imortalidade é a vida do homem de letras : do escritor, do criador de estados de al– mas, vida que êle constrói com a máquina incomparável do cére– bro, nas vigílias saturadas de emoção interpretando na sua alta visão humana, no seu eleYado poder de introspecção das coisas, - a sociedade, o seu mundo, a sua época, tanja êle os epitacórdios da musa, exercite a prosa n as suas variadas formas de dizer, de ex– primir ; ruja nos combates em que o verbo falado ou escrito traça as configurações de esgrima em luta acêsa: embaralhe-se nos la– birintos difíceis da História, comentando-os, aclarando-os, ou se enfronhe no mundo obscuro das ciências, mundo controvertido, em tudo, enfim, que constitui o viver do Imortal assegurado pela Vita– mina da Ilustração, que dá ao homem predestinado a Eternidade, no convívio eterno das gerações que passam e repassam, guardando, preservando o lume sagrado das velas acêsas que ficaram das ida– des que se foram e que se reformam e se renovam ao impulso das explosões biológicas, cujas determinações e desígnios não apagam n em esquecem os Precursores. E o Imortal é um Precursor, é um Pioneiro, um Desbravador, um Adentrista das noites sem luares da Humanidade ; um Viajeiro Belibético dos invios e imperscrutáveis caminhos do futuro. O Imortal é o Vidente, a Personalidade que er– geu no Perihélio da Vida Humana o Marco altan eiro, em cujo tôpo está o Fanai que ilumina os Séculos nas suas sucessões e con– secuções. O Imortal é o Criador de idéias ; é a Concepção, o Mode– lador, o Valor, o Nucleador das admirações públicas, através do que produz - Plasmador que é da Beleza e da Arte no livro, no már– more, no bronze, na téla, em tôdas as manifestações dos seus pen– dores - êstes que o imortalizaram, êstes que o imortalizam, no transcorrer do Templo, que tudo consome e desgasta, menos o Saber e a Inteligência, que são imponderáveis e não sofrem a ação do seu Corrosivo. E ac1ui está, neste esboço, Paulo Eleutério Filho, o Imortal den– tro da lmortalldade, lugar comum que o Saber e a Inteligência, o Talento e a Cultura reservam aos Eleitos como t le. * * • Senhores ! Vemos aqui uma cadeira de braços abertos, braços que abraçavam um idealista, um irmão, que nos era caríssimo, ir– m ão espiritual, de alma e coração, que biconcebível e cruel sacri– fício apagou o alampadário da existência na hora precisa em que esta derramava aqui dentro e lá fora os fulgores de uma cerebra– ião invulgar e os reverbéros de sólido e invejável cabedal de ciên•
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