Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)
126 nEVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE L ETRAS t ado Interior decerto escondia aos nossos olhos a comédia que uma predestinação criara no palco de sua vida. Como o "Bacalhau", também vive u a "Batatinha", uma espa– nhola velhusca, baixinha, que não tinha papas na língua. Quando a a zucrinavam , soltava a gi râ ndola ele seus d esaforos, e <1uen} tivesse ouvido que os tapasse. A s conchas do ma r ne in sempre escutam o soluço d as vagas ... ' Outra vítima do infor tú nio de dormir sob os a lpendres do Tea– tro da P az ou nos bancos do largo de P alácio, e ra o "Dia bo na saia". Essa criatura foi, talvez, a mais perseguida das que nunca tiveram agazalho nem um la r. por ma is modesto que fosse : o teto que a cobria, s empre foi o firmantento ; nunca ti vera carinhos senão o de humida d e das noites ch uvosa s. O seu lençol o seu chale de lã era o jornal velho e inútil .. . "Diabo na saia" enfurecia-se com a surriada dos petizes. l\'lal apontava numa esquina, e deflagrava de todos os lados a voz estri– bilhante: Diabo na saia! Diabo na saia! Ela fazia-se acompanhar de um guarda-chuva velho, remendado, cuja principal função era servir de arm a de defesa contra a s 11e– dradas do molecório. Deixava-se su,:estionar d e tal forma com' o a)lelido, que, ma l ouvia aquêle cruel " Diabo na saia", revistava-se tôda e, sovando com o chapéu de sol as duas saias, parecia querer afugentar cJo corpo o Mefistofeles que a perseguia . .. A voragem do t empo levou para a s~1mltura mais essa figura de sorte adversa. O "Seabra" foi um dos tipos mais simpatizados pela multidão. Baixote, simpático, com un1 pince-nez, falava às m assas. . . Qual– quer reunião pública, fosse passeata, "mccting", ou m esmo procis– são religiosa, ºSeabra" ficava como que atacado de "vírus" parla– mentar, e chamava a atenção do público com estas simples palavra "POVO PARAENSE" ! E daí, animado pelos aplausos grotescos, dis– cursava efet ivamente, com atitudes demostênicas, sintonizando a voz, imitando os g randes tribunais, numa aluvião de frases corri– queiras e empola das, que eram inte rrompiaas, gostosamente, por de– moradas palmas do auditório. Era inte r essante vê-lo de mãos es– Jlalmadas, levando-as ao ar, tremulante, emocionado. Foi outro que a rua pe rdeu e a sombra da morte conduziu ))ara o seu mistério convívio. Até bem pouco tempo quem permaneceu n esse desvio de existên cia, m a is vegetando do que vivendo, foi o "Odorico Abelada", um tipo que, invariâvelmente, corria os ãn gulos da cidade com o traje de t urista. Um boné felpudo, uma gabardine d esbotada no braço, ben gala, calça e paletó d e casem ira su rradissi– mos, tendo nas a bas do casaco, como se fosse uma vit rina de livra– ria, fotogravuras d e homens célebres, com legendas que a malicia dos outros lhe sugeria escrever. se, por acaso, passava em Belém a Norma Sh earer , la no dia seguinte êle apresentava o ret rato dessa formosa artista, com dísticos desta ma r ca: "Minha noiva Shearer , ela é a mais bela das mulheres do planeta" . E assim por diante. "Odorico" não era pornógrafo, não era importuno, limitava-se apenas a dizer, quando nos v ia num bar ou confeitaria : "quer pa– gar-m e um café?" E fitava a x ícara de rubiácea. E ia embora com o seu boné felpudo, sua gabardine, sua bengala ... Em Belém a m aioria dos "UJlOS populares,, desapareceu, e é hoje raro •topar-se com um d êsses inofensivos palhaços urbanos. Para compensar o desfalque, surgia, de vez em quando, um novo comparsa. A " Tainha", p or exemplo, que aliás também já desapareceu, era uma morena enfezada, raquítica e de língua porca a mais não poder. Essa vivia de preferência na zona mais suja da cid ade. A que tinha ve rdadeiro cartaz d e popn1a ridade. e era recordista de prisões por embriag uez e desordem , era a "Maria do Combate", mulher de largo tirocínio na vida aira da de Belém . Brigona, a tre– vida, de bochada, dava um t ra balho imenso aos policiais q ue a condu– zia m presa. Resistia à ordem das autoridades, emperreava-se quan– do embriag ada e rompia a s poucas, as Imundas vestes, ficando em traj e escan dalosamen te edênico. Er a preciso que viesse o "violino (carro celula r) para condu– zi-la até a Cen tral d e Policia. Contam como verdadeiro, que clu·ma feita, a "Maria do Com– bate'' e a "Tainha", sua companheira de desdita, foram à Jlresença do comissário d e pla ntáo, o q ua l tinha po ucos dias de exercício 11aq u êle cargo, d esconhecendo, porta:n.to , as cenas policia is mais comuns. Déssc modo, "rempli de soi même,,, a autoridade faz o in.. terrogatório da praxe, dir igindo-se à incrível "Maria do Combate", -seu nome?
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