Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

.J t REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE: DE: LETRAS 115 Deixemos, porém, as náus espanholas em pesquisas no antigo México, para olhar a pátria que as caravelas por– tuguesas encontraram enfeitada de arcos e de penas. O Brasil nasceu cantando. A missa é poesia cristã como a lenda é poesia da História. No alvo papel das areias da práia, o jesuita ritimava estrofes à Virgem. A linhagem dos fidalgos descobrido– res era reflexo do sentimentalismo luso flutuante ainda em tôdas as belezas da língua conservadora do vocábulo de tradução privativa apenas aos que lhe compreendem o esplendo·r e variedade do léxico . Camões deixou em ver– sos uma bíblia para duas nacionalidades, e Mariana Al– coforado vestiu-se de manto lilaz para o mais comovente documento que a dor inspira à alma sensível de quantos realmente amam. A literatura brasileira, no período colonial, casou-se ao esplendor verde do ambiente. Fôra um reflexo da pompa que a Natureza nos legou, com a harpa do Atlân– tico a dedilhar coroas pelos dedos de uma paixão escon– dida, em que abrolham o pranto rendado das ondas. O século XVII teve, sem dúvida, aspecto intelectual mais importante, cabendo ao XIX ação de inegável pre– ponderância nas letras. Com a nossa independência po– lítica, surgiram os românticos, que tiveram por sucessores os naturalistas e parnasianos. O movimento simbolista emergiu do declínio da primeira dessas escolas, mas a arte poética, dentro do imenso coração latino, que se agasalha na parte centro-oriental da América do Sul, jámais per– deu as suas características, mesmo sob influência de cor– rentes estrangeiras. E não será exagêro dizer que ainda somos um pais de visionários. O mercantilismo desta idade ingrata demais, pondo em tumulto lnterêsses de centros agoniados no jogo permanente de bolsas, ainda não nos arrefeceu o gôsto de cantar, porque o cenário é uma floração maravilhosa de notas sonoras, ferindo a de– licada sensibilidade de nativos. Cada brasileiro é um vate de inspiração latente. O condoreiro baiano foi to– cante nas cantigas à sua desventura e Teodoro Rodrigues descobriu a flor da morte quando a morte lhe penetrara o quarto de boêmio glorificado pela rebeldia da forma. Penetremos agora, entre sombras agitadas, no palco equatorial da cidade tapuia. O indianismo afervorou os primeiros rapsôdos, e o anfiteatro amazônico, enamorado 1 de iaras, cheirnso de paticholi e de trevo, abundou em di– vagações que o orgulho regional preferiu guardadas no cofre· esmeraldino da região mulata, desataviada de ador– nos que não fôssem os da superfície do Vale fertilizado pelas águas do rio, em cujas margens a ilusão de Orelana descobrira as mulheres guerreiras que se privavam de um dos seios, para manejo do arco . Cantamos unicamente para atender aos impulsos da alma, que sonhava. Os nossos versos eram de côr genui– namente para~nse, mas o balanço das colaborações a uma cultura essencialmente nacional, de que foi Gonçalves Dias um dos precursores, coloca-nos também na fl111, en.– tu.sl ~ta dos ol;>reiros decididos ,

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