Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 109 maneira da poesia dos velhos mestres. Vejamos, para exemplo, Carlos Drumond, que, protegido pela "liberdade" e pela "amplidão", publicou o seguinte poema : "Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra. Nunca me esqueceu êste acont ecimento que se gravou na minha retina fatigada . Tinha uma, pedra no caminho . Tinha uma pedra. No meio do canlinho tinha u 1na pedra'' . • Que extraordinário poder de s íntese êsse de Ca rlos Drumond ! Que volumosa obra produziria o poetissimo Carlíto, numa tarde de Carnaval, subindo, a pé, a Avenida Tito Franco, no trêcho de onde estão a r rancando os trilhos de bondes da saudosa Pará Elétrica ! Essa abusiva pretensão de síntese pôsta em prática diária– mente por alguns p seudos versejadores, está criando para outros esperançosos aedos da nova geração um plano de inferioridade poé– t ica e estilística, no consenso dos apreciadores da bôa literatura . Em verdade, Guerra Junqueiro escreveu : "São precisos segredos virginais. disposições simpáticas, nervosas, para entender as falas silenciosas dos mundos vege tais." 1nas, em primeira análise, o vate luso quiz demonstrar que pela cultura do espírito podemos compreender e admirar a grande obra de Deus plasmada nos mistérios da Natureza. O humus que se transforma em flores e frutos : a luz solar que dá fôrça e vida a todos os seres . Assim, Guerra Junqueiro expressou-se em síntese que se interpreta ao primeiro relance. Tanto Guerra Junqueiro, o notável autor do "Caridade e Jus– tiça", como Fagundes Varela, o inspirado do "Canto do Calvário", ambos não suplicam "liberdade e "amplidão" para imortalizarem as suas obras. Os dois recursos de que tanto necessita a poesia mo– dernista nasceram e continuam vivendo e palpitando nas memorá– veis composições poéticas dos dois fortes exemplos da poesia completa . Se a poesia é um deleite da inteligência, a síntese em que ·os versos se estreitam deve ser inte ressante, assimilável, comunicativa, a fim de não obrigar o leit or a fechar o livro, mastigando desafo– ros e ma ndando o poeta às favas . POESIA IMORTAL Há uma distância a percorrer entre a poesia moderna e a poesia modernis ta. A poesia modernista é um esfôr ço de criação cujo resultado confunde e enfada . A poesia moderna, quem a sabe burila r. m esmo sem r imas e sem métrica, reproduz quadros de onde emergem a imaginação e a forma. Ouçamos êste poema de Ada lcinda, minha ilustre con freira nesta Academia : "Se ltle veio da Luz, e u de quem vim ? Se ltle veio da Luz que iluminou o primeiro instante da fecundidade, onde está que não desce para consola r a terra que chora e todos os elementos que se junt am à m inha dor ? Eu sei que sou água viva que corre no fundo dos canais esquecidos ... águ a que se mostra e se oculta e se perde e se reencontra li procurn de um socorro longínquo... Eu sei que venho do fundo dos séculos, chorando, alucinada, para a aurora que foge ... Mas, se ll:le veio da Luz que brota e sobe, zimboreando as vegetações e o mar e o seio da noite sem estrelas, porque me expulsa do dia. e u que não sei de onde vim, e não n1e deix a viver um pouco de vida sem inv ernos , a té que o sól beba o meu corpo de água pura e a ave do Cé u , ma nsa e bôa, ve nha buscar minh a'alma ?" Dentro dêsse religioso poema de Adalcinda, perpassa, numa si– lenciosa proclssiio de crianças mor tas, o vulto de Jesús ! Amon– toam-se destróços de cruzes milagrosas que um sõpro nômade e sacrilego despedaçou ! Cambaleiam res tos de círios penitentes que n ão choraram a té o fim ! É um m isto de lago e oceano ; de pecado e perdão I Enfim, é a poesia de AdaJcinda. É a poesia ll}Oderna..

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