Revista da Academia Paraense de Letras 1952 (Janeiro v2 ex2)

io6 REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS do Norte, com a sua sutileza paisagística e sua especial criação de tipos, à maneira estilística de Eça de Queiroz. "Agua Azul" é bem "uma página de emotividade", é realmente a fonte de recor– dações da compassiva donzela que, sonhando com os antigos enleios do amor fugidio, via no fundo do manancial cristalino a cena dos beijos trocados, o sorriso da conquista e a lágrima da separação. Aquela ânfora espelhante, que, tôdas as manhãs, lhe matava a sede dos lábios, por outro lado ressecava-lhe a esperança. . . Com o seu primoroso requinte criador de imagens, Terêncio Porto corporifi– cou a donzela da "Agua Azul". Aparece também o brilhante escritor patrício no "Elogio de Atenas", substanciosa critica a essa obra de Péricles de Morais. Fala dos seus versos como se os mesmos brotassem da sua própria sensibilidade estética. No belíssimo conto Intitulado "O Cambalo", motivo folclórico de fino estudo psicológico, Terêncio nos oferece aquêle embarcadiço, apaixonado, ao molde de Guy de Maupassant, maravilhando~nos com as características dos quadros ribeirinhos, onde o caboclo "cassado" como se diz na gíria, cantaroleia, de olhos vesgos e de língua grossa, um chorinho à namorada que o abandonou! . Terêncio Porto passava do terreno lírico ao estilo humorístico e, com a mesma facilidade, ao sentido de arte. Vêma-lo, por exem– plo, escrevendo impressões sôbre uma Exposição de quadros do pintor Carlos de Cervi. Aprecia a arte de Da Vinci e externa opi– nião como se íôra um verdadeiro mestre do pincél. Como folheti– nista, publicou na "Folha do Norte" o magnífico estudo social inti– tulado "Os Visioná rios", cuja obra de vulto e de fôlego lhe gran– jeou merecido conceito e admiração por parte de seus companhei– ros de imprensa. Em 1911, editou em Lisbôa o livro "Pela Vida", formoso com– pêndio de contos e crônicas onde deixa ver e sentir bem clara e peregrina a graça do seu estilo simples, o seu encanto pela boemia irresistível ao seu temperamento de eleito. · A preciosa vida de Terêncio Porto, que um sôpro de atavismo arrebatou, é bem a razão do meu ingresso nesta Academia. Corrêa Pinto legou-me a sua riqueza, nesta casa. tle que, na su11 deslumbrante "Fascinação", é um legítimo colecionador de pé– rolas, talvez não tenha em mim o cuidadoso zelador dos seus have– res. Entretanto, aqui estou, entregue à complacência dos meus nobres pares, envaidecido e tonto como as Jnariposas diante de tanta luz, certo, porém, de que por minha vontade e esfôrço não será tão grave o libelo que me agua rda. Assim, valho-me das pala– vras de Corrêa Pinto, para minha aefesa : "A melhor maneira de comprovar o mérito é se oferecer num testemunho, como êste, diante do público, dele esperando o "vere– dictum". A destruição não é, nunca foi nem jamais será obra reve– ladora de sabedoria. Criticar, demolir, sem estruturar, sem erigir, não é empreza que se recomende ao aprêço dos cérebros e das consciências equilibradas . Ensarilhem, pois, · os e ternos iconoclastas, as armas devastadoras e leva ntem aos olhos da multidão, ao invés da clava que destrói, o cinzél que edifica. Isso é o que manda o bom senso e o que também inspira o patriotismo. O Brasil necessi– ta mais de semeadores que ergam templos do que de revoltados que preparem trincheiras. Nação menina e moça do universo, parece que íoi de ontem o seu despertar para as lutas da vida. Yara more na e tépida, filha sem má cula do verde das selvas, dormia ainda o sono cósmico, quando o navegador ancorou à a reia bra nca da práia a farã ndula andeja das suas caravelas . Vinham estas como borbole tas atlãnti– C';'S po_11sar ~o colo trigueiro da virgem o beijo desconhecido da ci– v_1lizaçao. D1stanc1ados do roteiro das índias, os nau tas intrépidos r,s~avam no pe rgaminho dos oceanos, com a p e na maruja que é a proa d_os barcos viajares , 0 "üe n" co1nunicador e unificador entre a v elhice de um mundo e a infâ ncia de outro . Foi assim que a Yara _acordou nos coxlns v~rcloengos da América e se fez rapariga e gorjeou com as aves e enrijou os seios e desnastrou os cabelos e espreguiçou os braços, ao som do Jundú africano e das guitarras lusas, _n~ma d~ça feiticeira e provocadora , convida ndo o p eregrino à lasc1v1a paga dos conúbios fra ncos, debaixo dos bambuai s e das lianas . tsse era o Brasil de 1500. Qua tro séculos decorreram . Hoje, a ·outrora Salomé aborígene se fez mãe de heróis e de sábios, de apóstolos e de es tadistas, de tribunos doutrinârios que pregam idéias estranhas, bus cando-a no escr!nio de outras raças e de bardos ingê– nuos, cantadores do sertão que eternizam o nacionalismo nos desa-

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