Revista da Academia Paraense de Letras 1950

:l 1 REVISTA DA ACADEMIA P ARAENSE DE L ETRAS 65 refletimcs em todo o mal que semeamos pelo mundo, tentando per– verter e eng.anando às vezes as filhas menores dos nossos amigos intim-:s. Sômente aí é que damos à honra um v,alor inestimavel. Horas horriveis passei ontem à noite. A vasculhar minha gave– ta enccntrei um bilhete teu. Chorei, minha filha, de arrependimen– to, de ódio e de saudade . O teu bilhete abalou tanto a minha sensi– bilidade que eu tive vontade de gritar, na esperança inutil de que o éco da minha dor penetrasse no coração do mundo e despertasse a conscienda de tcdos os maridos perversos, dos pais inconscientes e dos homens maus. Teu bilhete está escrito a lapis, mas ainda não per– deu o encanto do dia em que o recebi, há tantos anos atraz. Per– guntavas pela m1nha saúde e pedias que passasse pela porta de tua casa quando retornasse do trabalho . Se assim procedesse, é porque a inda te queria e passaria o dia de Ano Bom pensando em ti e em tua mãe. Lindo isso, Rosali querida ! Seis anos se passaram. Não atendi ao teu. pedido, porque estava apaixonado por outra mulher. E só gostei, afinal de contas, de tua mãe . Mas a vida é assim. . . E 11unca mais me escreveste. Hoje se recebesse uma earta tua eu 1ne sentiria perdoado de todos os ~eus crimes e de tôdas as minhas culpas. E por isso te escrevo neste d;a de a~rependimento e de per– dão, de saudade e de esperànça, de lagTimas e de sorrisos tristes. Não sei em que lugar do mundo estás . Nem sei se vives com tua mãe. Sei apenas, minha filha, que sofro mais do que vivo . Sofro a saudade de ti e do lar que abandonei e destruí, para mais tarde des– graçar também a mulher que me levou a desprez;ar minha casa, ar– ruinando àquela época com o meu nome a mmha reputação e o meu próprio, futuro . ' Nêste dia, que é o da recapitulação de todos os erros e pecados, eu te escrevo estas linhas, ajoelhado e feliz, mas torturado. Como é bom saber que em algum lugar do mundo existe um pedaço de minha .alma, uma celula de meu corpo, uma gôta de meu sangue. um re– talho de mim mesmo lembrando meu vulto e meu erro saudosa de minha benção, pedindo, a.joelhada, aos pés de Cristo, a' minha feli– cidade e wn perdão para o meu pecado .. . Hás de ler estas linhas tremulas Rosali de minha alma. Acre– dita que minha ccnsciencia já recriminou teu pai. E nada mais sou hoje do que um frangalho de dor e um grande e conscientemente ar– rependido. Mas, não sou um covarde. Resisti às dores. sofri com co– ragem, n ão me deixei ficar na lama. As vezes que cai, levantei-me, cada vez mais forte e cada vez com a alma purificada . . E é por me sentir assim, grande na minha solidão e na minha angustia. como imenso no meu arrependimento, e capaz de te fazer feliz, que te escrevo agora . Nêste dia, que é o do perdão e da tristeza, eu não poderia de~ar de te prccurar . E o faço com o coração genuflexo. pedindo a Deus to· da a Sua proteção para o teu destino que, espero e confio, não há de ">er igual ao de tua mãe, por minha culpa, minha máxima culpa. Recebe a benção do teu pai. - (a) JOAQUIM GóIS".

RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0