Revista da Academia Paraense de Letras 1950
CARTA DE ANO BOM DE UM HOMEM DESCRACADO GEORGENOR FRANCO No ônibus que me conduziu, ontem à noite, à minha residencia, encontrei esta carta, que me apresso a publicar para tranquilidade do infeliz que a escreveu: "Avenida Larga da Dor, 31 de dezembro de 1947. Minha filha Rosali - Não sei em que parte do mundo te encon– tras. Nem sei mesmo se ainda vives. Viverás, sim, porque Deus é grande e eu não devo morrer antes de te dar a minha última benção. Deves estar crescida forte e mais bonita do que quando abandor..ei tua ~e. empolgado 'por outras fantasias banais da vida . Não sabes, minha filha como tenho sofrido. Jamais poderás avaliar os desen– ganos conqu'Lstados e as tremendas surpresas que o Destino me tem oferecido. Tantos erros tantos pecados tantos arrependimentos e esta imensa solidão em que vivo. Estou só, isolado. As mulheres que amei esquecido do amor que tua mãe me t inha, desiludil'am,-me tô– clas e tôdas me abandonaram e a muitas eu abandonei, ávido de conhecer sempre e sempre prazeres novos na eternidade dos mesmos desejos . Estou só e isolado semeando emoções por onde passo. com a minha desgraça sem n ome colhendo experiências amargas que vão lenta mas solidamente, aperfeiçoando o meu carater. ' Dia de Natal pensei muito em ti. E em tua mãe tambem. Quem sabe se ela está ao teu lado ou se já não enlouqueceu como eu. pro– curando na variedade dos amores wna felicidade que "nunca po– mos onde nós estamos?" E se estou te escrevendo estas linhas é por– que a minha angustia foi mais intensa e maior que a minha força de vontade em dominar minha saudade do lar que destruí num mo– mento de alucinação. E se te falo assim, franca e lealmente, é por– que já te sei em idade suficiente de compreenderes as coisas graves e sérias e tristes da existência humana. A dor há de ter te feito mulher antes do t empo! Quando abandonei a ti e a tua mãe - nem o teu pedido de benção áquela hora negra acordou minha consciencia! _ tinhas três anos de idade. Eras linda como uma r osa e. por isso mesmo te chamamos de Rosali. Hoje estás com os teus 15 anos idade dos sonhos. dos anseios. da sublime transformação da menina em moça. E como sofro em te saber mulher, ignomndo como ignoro o destino que Deus te reserva. Quem sabe se não vás conhecer os mesmos sofrimentos que tua mãe conheceu, depois de casada comigo? Quem sabe se o t eu marido n ão será um homem como foi o teu pai vitima das tentações do mundo e que se deixava empolgar pela bele:;,;à e pelas promessas falsas das mulheres voluvels, que comer ciam com 0 sentimento e mercantilizam o amor? Sim, filha querida somente de– pois que nossas filhas atingem a idade dos 15 anos é que nós. os pai.,,
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