Revista da Academia Paraense de Letras 1950

1 1 1 1 . ,.... I REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 27 para as considerarmos separadamente. E' impossivel, entretanto, considerar em separado as qualidades intelectuais de Rui Barbosa. E " lmpossivel mesmo separá-las das qualidades de coração que o tor– navam singularmente grande no recésso do lar honrado, que foi a maior glória da sua vida agitada pela realização de um ideal nobi– líssimo, qual fôra o da felicidade humana. assim por êle mesmo df' • tinida: "A felicidade está na doçura, distribuida sem idéia de remu– neração, melhor ratificada numa formula mais precisa: a nossa fe– Hcid:).de consiste na felicidade alheia criada generosamente por u.m áto nosso". • A nós particularmente interessa a sua emoção estética. A bele– za é a finalidade precipua do nosso ilustre sodalicio. E o -verdadeiro fim da beleza está nesse prazer supremo que é a vida continuada e perpetuamente renovada. São do mesmo Rui Barbosa os seguintes c.onceitos que não me furto ao prazer de reproduzir: "Derramando a arte a mãos plenas é que Péricles reconstituiu Atenas dos desastres da luta com o Oriente, e, quando entornada a !lux, por toda a parte, .a atividade artis~ica do povo. o grande ho– mem parecia dissipar os tesouros da república, a dempcracia ate– 'liense crescentemente pr-cspera. satisfeita e poderosa ensoberbecia-se, do c:hefe, cuja magnificência liberal fizera do gênio de Fidias, ser, vido pelo genio popular o instrumento mil·aculoso de um predominir, indisputavel sobre a terra helenica" . "O belo é com efeito o útil social, seja efêmero como a moda, seja eterno como o bronze". Da industria, disse ainda o grande mes– tre: "Utiliza nas suas mais finas criações, o gênio e a habil:dadc !1.1'– tistica no mais elevado gráu". Nem se pode compreender o traba– lho humano sem as inspirações da arte. Tornar-se-ia mecânico, au– tomátie,o, transformando assim em automáto o próprio agente da ati– vidade econômica duramente materializada. Um simples il1strumentq de caça ou de pesca, utilizado alhures pelo indigena primitivo constitui para nós motivo de simpatia e ad– miração. O mais rudimentar instrumento de trabalho doméstico, a agulha, por exemplo, requinta o aféto no lar doméstico e nem é ou– tro o motivo porque os noivos de outróra eram obrigados pelas leis da ética social a confeccionar o vestido de nupcias com o qual teriam: de ser recebidos no altar de Deus por aquelas que haviam elegido as preferidas de seus corações. Na própria guerra há quem tenha querido ver .alguma coisa n,, bélo, o ·bélo horrendo que inflama as paixões e transforma os ho– mens de tal sorte que às vezes os torna il-reconheciveis. E' sobretud() pelo bélo que as sociedades sobrevivem. E' certo que a politica bra– sileira desde muito manifesta o seu desdém pelia arte. Já em 1886 José Bonifácio, o moço, consideravia: · • "Entre nós, a vocação literária em geral, é suspeita aos ho– mens que fazem a carreira pública. Supõe-se ser a politica a con– tradicão do bélo como o tem sido da verdade e do bem uma espécie de dfvindade gága, semi-mouca e miope, protetora do 'daltonismo e da surdez, inimiga da harm.ônia, do colorido e do bulicio da vida afeiçoada às almas sem capacidade estética, sem instintos desinteres: s~dos, sem ondulações sonoras ; uma combinação da esterilidade d:-.s estepes com a taciturnidade das paisagens de Java. onde as aves não e,::..ntam. Ref?rmaria, se lh'o permitissem, a criação, forrando de lã o espaço e caiando de ocre a natureza" . Em Rui Barbosa se distinguiam perfeitamente o homem de con– templação e o homem de ação. A ordem €m que as palavras lhe cnn.

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