Revista da Academia Paraense de Letras 1950

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 23 que as imagens belas arrebatam a nossa imaginação para as alturas. Ele diz no conto AD LUCEM: "Junho... Mês das fogueiras ... A noi– te -0 luar gelado e brilhante que lamina de prata as árvores e as águas, que se arrastam mansas e tristonhas, tem uma sagradia. unção, como se fôra psalmos ·de luz que caissem do céu..." E assim vai nos inebriando numa fanbasia alada, que é como· o sonho da intelectua– lidade. No antigo "Café da Paz" ,hoje extinto, reunia-se uma turma de literatos noviços, todas as noites, a trocar idéias, a discutir livros, a comentar Coelho Neto e Eça de Queiroz, cujos volumes estavam sain– do em edições dadas pela livraria Chardron, do Porto. Esses rapa– zes, além de mim, chamavam-s_e Randolfo Serrão, Renato Viana, Fran– cisco de Leão Martins Santana, Jonas Montenegro, Roque Menezes, Alvaro Fernandes, Augusto Sousa (Aires Palmeira), Trindade Belém. Felipe Nery, Olinto Melo, Alvaro Pires, Raul Loureiro Filho e mais alguns, e o maior de todos, que era Terêncio Porto. Terêncio co~– versava conosco, como de igual para igual. E dava-nos informaçao de tudo o que havia de grande na literatura antiga e moderna. As suas palavras eram ouvidas com o mais vivo interes~e porque além dia sua modestia sem par, revelavam de fato, conhecimentos profun– dos. Filho da cidade de Santos, amava sobremaneira o Pará, onde al!ás veiu a contrair matrimônio com dona Luci Furtado de Men– donça, senhorita a cuja belero se aliavam-os excelsos predicados de pianista eximia. . Como sofreu o pobre Terêncio para conseguir aquele casamen– to! Vem daí ele dizer: "Os pobres não .daviam ter coração..." Casou-se e foi residir na rua Aristides Lôbo, no quarteirão com– preendido entre 1a travessa Frei G'il de Vila Nova e a avenida 15 de Agosto. Depois da festa nupcial fui visitá-lo uma vez, para mos– trar-lhe um réles e insignificante trabalho de minha lavra e pedir a sua opiinão. Só hoje eu avalio como era grande e distinto o cora– cão de Terêncio. Recebeu-me com uma afabilidade encantadora e :foi prodigo em encorajamento a que prosseguisse na minha tenta– tiva literária. E eu saí de sua casa, julgando mesmo ter algum talento, tal a delicadeza e bondade daquele grande amigo... Um dia Terêncio Porto adoeceu de tüo, em poucos dias morreu. Tinha apenas dois anos de casado, deixando um filhinho órfão, que hoje é major do nosso Exército - Terêncio Porto filho. A sua viuva ficou inconsolavel, e os seus amigos ficaram verdadeiramente deso– rientados. De mim, sei que passei dois dias sem querer ver ninguem. Minha mãe impressionou-se. E todos os seus outros amigos sentiram sériamente a falta de seu grande orientador intelectual. Para nós foi uma valamidade a morte de Terêncio, não só pelo lado espiritual ou m_ental, como pelo lado moral. Uma saudade intensa perdurou entre nos por longo tempo. Quando foi organizada a Acad~mia Parae~e de Letras, deu-se a uma das poltronas, o nome de TER.í:NCIO PORTO. E isto cons– tituiu um ato de justiça, pois que consagrou definitivamente a obra singular de um escritor de classe. Não só pelo naturalismo vibrante das suas novelas, como por– que a obra de Terêncio tinha muito de poética. PoesÍla ,era o seu grande sonho de arte o seu anhelo de beleza e a preferência, para estudos das emotividàdes humanas. '

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