Revista da Academia Paraense de Letras 1950

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS 19 trumentos primitivos ou a fôgo, o cabôclo ·ripícola, 'o produto de ~ua lavoura ou de sua pesca a farinha, a carne sêca, a cachaça, o remé– dio contra sezões, os metros de chita vermelha ou de mescla azu– lão comprados no barracão do compadre . Lembrava-se de que era il cavalo do homem do rio, o "landau" para a.s festas. bôdas ou bati– -sados, o carro fúnebre para conduzir o ·corpo in~hado pela hidropisia ou mumificado pelas febres de muitos dias, abatido pela morte no giráu de paxiúba. Sonhava com os temporais violentos, com os r e– demoinhos traiçoeiros ou com os remansos tranquilos e sombreados. Recordava as corredeira-s perigosas que transpuzéra, os rios que pe– netrára, os igarapés que subira ou descera na peregrinação de ancs de serviço. . Uma grande vida, sem dúvida alguma f O. que seria sem a canôa oe páu, o cabôclo amazônico? E agora se afundava ali no terreno ,aluviona! dia várzea, como um tronco apodrecido tembado pelo tem– po. De longe, assemelhava-se a qualquer árvore caída ou a um. cro– codilo arteiro que se camuflasse à espera da vítima. Mas possu!a al– ma, iaquêle velho lenho de cedro. "Nascêra em pé e corrê.a deita– do", como explicava a ingênua adivinhação sertaneja, e se acabava no tijuco, desintegrando-se lentamente numa transformação cósmica.. Terminaria assim a sua história, a velha canôa indígena? Quando se percorre o aranh-01 hidrográfico da Amazônia, é -:o– mum êsse quadro de desolação e de abandono: a velha canôa 1ne:rt,?, adernada. apodrecendo ao sol. Todavia, há exceções. Num ou noutl'ó portinho humilde, dêsses que surdem abruptamente entre a flOl'esta e o rio, a pobre canôa, sem préstimo nágua, tem outro destino (lUe é uma continuação dessa· aliança de trabalho que acôrdou com o :ca•• bôclo. Puxam-na para o sêco, mas encheràm o seu bôjo de terra 1'?S– trumada; e naquêle canteiro suspenso, equilibrado em quatro pern.a.-.; mancas rústicas, reverdecem o pé de couve, o tomateiro, a vinagreira, o jambú, a herva-cidreira, a arruda, a roseira ou a cravina. dando o legume, o tempêro, o adômo faceiro e o remédio dcméstlco ao hc– mem que se perdeu na imensidão da plarúcie para viver sõzinho, num eremitismo que é sua maior glória_. VISOES DE PARIS RODRIGUES PINAG'.É (Lendo "NOTRE DAME''. de 'Vitor Hugo) . I Qua:Simodo, ao sair da sacristia e encontrando Esmeralda, na alamêda, quebrou-lhe, a pulso, o trancelim de sêda, na intenção de despir-lhe a fantasia. Foge a virgem, do monstro que se quêdà nos corredores da mansão sombria, tendo o mago estrabismo em labarêda. mixto de amôr e teratologia!

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