Revista da Academia Paraense de Letras 1950
/( CANOA VELHA PAULO ELEUTÉ"RJO FfLHO Na enSéadazinha fortna:da pefo rema:nso amavel curva graciosa;, onde a:s águàs tímidas se furtam aos caprichos violadores da corren– teza orgulhosa, - jazia na lama da margem a velha canôa sem préstimo. Fóra arrastada para a terna, sogigada por mão forte que a em– polgara por um banco prôeiro, deixando na vasa escura o rastro côn– cavo de seu casco bojudo. Repousava agora no sêco, adernada para o lado do rio como si mirasse, entre saudosa e triste, o caminho flu– vial que tantas vezes riscára com a elegância de sua quilha, ao impul– so motor do largo r emo de pá redonda. Vestia-se · de barro ressecado, e o limo esverdinhado que cres– c.êra. em sua parte ·interna, levemente agitado pela água que se· in– filtrava em suas junturas não passava agora de fiapos indefiníveis ce algas morbas. traçando arabescos fantásticos entre os pingos e riscos n egros do pixe do calafêto. Um banco rachára de borda a bor– da, deixando emergir a cabeça de um feio prégo de ferro, que se al– çi rn,. curiosa, a e~piar o mundo, livre de sua a pertada prisão, Formigas apressadas, vênus calipígias do reino animal, faziam: teconhecimentos atarefados pelas fendas misterios-as que se alon– gavam. como meridianos daquêle globo. Um lagartinho verdoengo, b::J.ixo e ágil como um automóvel de corridas, imobilisára-se. atento e ?.ttlado, observando o vôo incerto. inseguro e sem destino de um :n– seto vagiabundo que passeava sua falta de ocupação pelos raies do sol, era subindo na vertical, ora descendo em curvas e retas que deixariam louco a qualquer geômetra, term~nando por aterrissar numa falca apodrecida dia velha embarcação aposentada. Bichinhos de carapaça e de antenas pesquizadoras, azafamados cm sua~ perninhas curtas. haviam se instaLado sob o ca.~co de ma– d:ejra em contacto com o sólo, sabedores que ali encontrariam umi– da de e sombra ,suficientes para a reproduçã o da espécie. Trazida pelo vento ou pél:a agua, pela terra dos portos ou pelo excremento de um pá '>Sal'O, g,erminavam nurn canto uma planta selvagem que já l,m– çava para o alto uma longa haste verde. A velha canôa, desbei~da e carcomida, rachada e ema:,enada, 1,ofria o rigôr do sol tropical a mór parte do dia resmungando atra– vés os estalos das juntas que se desuniam ao derreter do alcatrão . Sômente sentia a frescuna das águas quando chovia, Aí, sim! Be– b:a pelas fauces escancaradas pelo ventre aberto e vazio, enxarcar.– do-se sem saciedade, num àbarrotamento inútil que a entumecla como n õs bons tempos em que vogiava à flôr do rio, mas que lhe não perDl!itiá boiar e balouçar ao encontro das ondas e dos ventos. Atualmente, vivia de recordações e de sonhos, sobretudo quan– do cáia água do céu , Tinha a ilusão a surprêsa de que flutuava no– vamente, transportando em seu côncavo rude, trabalhado com ins- • ,. ' 1
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