Revista Bragantina - 1930 (n.3), 1931 (n.4-5), 1950 (n.6).

REVISTA ERA GANTINA ROCEIRAS Ao culto espírito de Augusto Corda Estavamas no mez de Setem– bro de 1914, quando eu fui con– vidado, com muita insistencia para uma fésta no .-Almoço», po– voado que dista de Bragança per– to de doze horas de viagem em canôa. Os festejos em honra ao glorio– so São Sebastião, durariam tres dias e seriam iniciados com o tradicional levantamento do mas– tro votivo, todo cheio de verdu– ra, gerimús, abacates, côcos e pencas de bananas. A festa de São Sebastião, nesse anno promettia o rnaxirno de so– lemnidade por isso quoa o tercei– ro dia, celebram-se o anniversa– rio do dujuca», filho mais moço do iá fallecido capitão Innocen– cio Costa, chefete politico da– quclla pomação, subprefeito de policia local e seguedo supplente de juiz substituto da 4.a circurns– cripção judiciaria da comarca, que tem por séde o referido po– voado. O «Jujuca», caçulo da familia Costa, completaria os seus riso– nhos 21 annos ele idade e o capi– tão J:nnocencio todo satrsfaçiío annnnciara uma opipara ceia de sessenta talheres aos mais gra– udos e graduados do c<Almoço , , dizendo a cada um de seus con– vidados «que esperava a com– porição de tudos proquêncsse dia entregaria a cal/a de a1forria ao ra– paz, o unico qu<' soubéra corres– pander aos seus esforços apren– dendo a ler e escrever e, portanto, um futuro illlettô forista, seu digno substitnto no bastão político da localidade · Assim. fôra -me feito o convite e lambem a outras pessoas desta cidade. Formado, aqui o grupo de con– vidados para lá se dirigiu numa conôa que viern especial111ente levar os convivas. Em ºremadas successivas e vi– gorosas os experimentados cano– eiros, latagões valentes, fizeram em menos de doze horas passar como num écraJJ o «Aracateuan, ,,Clrnú, «Jutahy", Arimbún e «An• gclim,,, povoados que marginam o «Caheté,,_ Finalmente quasi seis horas da tarde, com as «ubera– basn cancadas de estarem senta• das no bánco da canôa ha perto de um dia de viagem, aportando chanaan desejada ! Foi um verdadeiro aconteci mento a nossa chegada: foguetes, tiros de rouqueira, bimbalhar do pequeno sino da capella e todos os alumnos da Escola Munici– pal, cantando o celebre - «nós sarno da patria a guarda». Tínhamos chegado no terceiro dia da fe~ta, isto é, ·no dia do an– ni versario do «Jujucan, ou por outra, dia de , entrega de sua calta de a1jorria. Fomos hospedes do major In– nocencio que, orgulhoso em hos– pedar os «muçosn da cidade, tudo previo parn que nada nos faltasse. A casa de residencia do major sub-prefeito, chefe político e juiz, estava repleto de moiçolas boni– tas e faceiras; rapazes cheirando cosmetico o velhas enrugadas, e a apresentada um ar festivo e aro– matico decorada comu estava de bandeirinhas de papel de cor, crotous, sammarnb1ias, trevos, japanas e manjericão. Em frente á cas,t lambem, bizarramente en– feitada, havia sido construida a class ica barraca para as ·danças e onde se via uma comprida mesa preparada para a cêia. Esta, 1·e– pleta de iguarias varias ostentava alem de outros petiscos, cinco leitões assados cm forno e outros tantos pen'.1s recheiados, que nos fizeramcahir agua da boi.:ca e au– grnentaro apetite já aguçado pela enfadonha viagem. Anoiteci;i. Todos nós tínhamos deixado das margens do mu1·mu– rejante «Caheté»,oncle fomos des– entorpecer os nervos num vasto banho interno e externo. Começou o major Innoeencio a distribuir o pessoal nos bancos que circumdavarn a mesa. A' cabeceira principal foi oc– cupada pelo «Jujucai:--o ann iver– sariante--e aos lados, todos os convidados iam sentando-se na ordem da chamada que o major fazia em uma fo lha de papel ,,dre– de annotado, tendo o cuidado porem de eoLJcar como dle di– zia "engranzado'', isto é, um ho– mem e uma 111ulhe1•. Dado o signal de avançar, to, dos porfiaram na devastação dos quadrupede5 e bipodes! A' hora da sobremesa (doce de côeo), o major baten com a co– lher no prato pedindo silencio e annunciou que iria dar começo aos recitativas de "decimas"; e tirando do bolso os oculos e o pa– pel onde estavam inscriptos os "decuneiros" fez a chamada des– tes, cada um de per si. A' propol'– ção que elles oram chamados re-:' citavam sestilhas e quadras, mui- tas já nossas conhecida'>: - "Pó üarco bota folô Jaboty come dibaxo. Minina si pode pode Si não podi mi dispaxe. Outro, teve a palavra: «Condo eu era piquinino Que não sabia falá Minha mãe já mi insinava A Deus do Ceu adorá,,. O Zé Veado, rapaz que do «Al– moço" todo - era o mais desemba– raçado e muito querido das mo~ ças casadoiras e que estava sen– tado ao lado da namorada, a Yáyá «Picotan, mocinha bonitinha po– rém com muitas sarnas pelo ros– tó, foi o penultimo a ser chamado ao recitativo. Condo eu era pi~-(llinino Que não sflbia fala Minha mãe só me -insinava Bíliscá dona Yáyá Risada geral! A Yáyá •Picota,,,encabulada, vi– rou-se para o Zé Veado e disse– lhe zangada, ,,Axé porr.aria? Con– do tú já mi biliscasti»?!! Foi chamado á scena o ultimo do programma -o Gervasio «Pi– quiá» -conhecido no lugar pelos seus ditos picantes e espirituosos e por isso ao levantar-se as ve– lhas resmungaram: -Qué vê? Que vê? Lá vae bes– têra! Esti rapaz tem a bocca porca, qui!" E o Gervasio ,,Piquiá», recitou: «Condo eu era piquino Eu druniia cum a minha mãi Agora qu'eu tenhu filho ' Drnmo cum a mãi dos ôtro"! Gargalhadas muitas e alguns protestos cobriram as ultimas pa– lavras do versejador galhofeiro. As velhas, zangadas pelo desa– foro de,Piquiá" diziam umas para as outras: --«Eu não lhe dixe? Eu não lhe dixe? Dali nunca sahiu cusa qui pres– tasse. Não sei cuma o majô inda cnnvida esta bisca,! Os declamadores eram freneti– camente applaudidos pelo bater ensurdecedor de colheres nos pratos, pelo que, finda a ceia, vedficou-se estarem quebrados quasi todos elles! Fínalrnente, pediu a palavra o major lnnocencio que cavalgando ainda os seus enfumaçados oculos leu um discurso ao filho e do qual guardei na memoria os ul– timos topicos: « .......................... Pois bem; meu filho; te alevanta-te e segue sempre o caminho que teu pae seguiu. Acompanha na pulitica o nosso querido chefe majó Chi– q ninho Pinheiro.

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