Revista da Academia Paraense de Letras 1969 e 1971
• • • REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS Ah, velha barca, que homens sem Deus te abandonaram, deixando-te esquecida, desprezada no tempo. Amortalhada ao luar, despojada de tudo, jazes no lamaçal da orla guajarina, inútil, esquecida ... Que rijo temporal desarvorou teu velame, como lívidos sudários, rôtos pelas tormentas, destruiu teu mastaréu que os gageiros subiam, atirou para o abismo os teus fortes marujos, como náufragos alucinados causando assombramentos ?... Nem ao menos teu nome, para nossa memória, os mareantes guardaram, como lendas do Mar ... "Barca do Manuel Pedro" - assim fôste chamada, por aquêles que um dia o teu convés pisaram, trazendo gente estranha, de países distantes, transportando riquezas da nossa terra virgem, tripulada por homens decididos, mercantes, aventureiros de todos os mares ! Mas . . . Não era teu destino ficares no abandono : - tinhas de te ligar à história de um passado, quando a pobreza tem de construir um teto ... Não havias de acabar os teus dias tristonhos, sem fazeres o bem, na tua decadência, servindo de morada aos párias sem trabalho. Foi então que de ti nasceu a "Vila Barca", com os primeiros casebres feitos do cavername, do teu negro arcabouço, resistente aos embates, aos açoites marinhos. As caladas da noite, quando as marés declinam, peça por peça, do t eu madeiramento, foram-se erguendo abrigos para o amor e para a fome ... Exposta aos ventos ásperos e às enchentes lunares, humilde "Vila Barca", és um burgo flutuante, com b êcos estivados, luz mortiça e funérea, com moradores foragidos da cidade, -81-
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