Revista da Academia Paraense de Letras 1969 e 1971
o l REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS fn"a t.otal. Família ~ mundanas vivem no mais cordial entendimento. Qhegando a trocar conselhos e confidências. Quando estávamos no bar, Mira chegou e trouxe o relâmpago de ouro dos seus cabelos para alegria dos nossos olhos e o encanto c!a ~ua presença para a solidão da nossa mesa. As 22:00 horas apagaram-se as lâmpadas da iluminação pública; s1:gundos depois rPaccnderam-se: Era o aviso; meia hora mais e tudo seria escuridfü:>, porém quando há luar isso não acontece. A luz cio nosso saté!ite ofusca a própria ilwninação das ruas, cobrindo tudo com o seu tom azulado e silhuetando o casario de ma:ieira patinada pelo tempo. Um grande silêncio parece pesar sôbre a ddadé como se um sono profundo a absorvesse inteiramente. E, naquela extensão da rua dormiãa, como um toque de fantasia, o reflexo do zinco das duas torr~s da Matriz, erguendo suas lanças para os céus como a apontar o mistério cósmico, ou humildemente implorar a luz, o amor e o perdão. Algumas janelr s aspiram a aragem suave da noite, cuja brisa parece agitada por uma mão invisível. Através do retângulo oscila a luz bruxoleante e amarelada de um lampião à querozene a proje– tar se já esmaecida e desenhando na rua erma uma réstea de sonho e de poesia. O rio diante da cidade transformou-se em placa de estanho a expelir reflexos do luar como se aquêle instante fôsse o momento da revelação do mistério de Génesis. Um iato da eter– "nidade, sem ruídos. sem pensamento, sem mutações. Tudo parado no enlêvo, no êxtase, como a surdez que sobrevem à explosão, como a cegueira que sucede ao grande clarão. Nêsse silêncio até os poucos casais ficavam siderados, abismados, perdidos na beleza do instante, dominados pelo pocieroso fascínio de uma natureza feita de sortilé– gios. Depois, de il1ópino, as grandes asas elo vento encrespam a supe1 fície do rio, grimpam pelos barrancas, descabelam as colmas das árvores, susst.:·ram estranhas vozes pelas ruas solitárias. Os casais arrepiam-se enfriados e buscam o calor do corpo-a-corpo, das mãos unidas, dos dedos enlaçados, no roçagar de cabelos, olhos cerrados, o peito !.:-Gmindo, a respiração acelerada, bôca-a-bõca no mesmo hálito, esmoganclo lábios, fundidos no mesmo beijo. Uma nuvem pojada vem do Leste trazendo ameaças de tem– pornl. Em pouco a temperatura cai, ameniza-se a desliza rápida pela friagem. Os casais can~ados, mas sempre ávidos de amor, tomam o rumo dos seus tugúrios. Uma densa treva esponja o rio como se o apagasse e a chuva em breve, em grossas bátegas explode nas torres da igreja, martelando o zinco como endemoniadas vaquetas de um gig:mtesco tambor. - 161 -
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