Revista da Academia Paraense de Letras 1964
REVISTA D~ ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS C?m o m~u casqu~te surrado oculto no sovaco, em sinal de respeito, pedilhe humildemente a benção. . Deu-ma de má vontade. - Eu queria falar com o dindinho. Madrinha deixa ? - Não posso saber do que se trata ? Algum mistério da Santíssima Trindade ? - Pode, sim senhora. - Desembucha, então ! - Minha avó mand~u que eu viesse pedir um sapato para ~ndar na escola. O professôr não quer ninguém de taman– co. Ralha com a gente, porque faz barulho. O rosto duro e inflexjvel, da maiestosa senhora que bem– aventurava a existência de meu padrinho, c.om as barbelas pi– cotadas •de cravinhos pretos e pálpebras macilentas, não coou nem réstia da piedade que eu esperava: - ~s muito petulante, moleque : E quem te enviou é mais ainda ! Não me consta que teu padrinho seja dono de mina. Volta e dize à tua avó que não é assim que se esfola o boi. Se não podes aprender de tamancos, vai descalço e se não te qui– serem assim, fica burro. Eu leio e escrevo mal e nem por isso teu P-ªdrinho me quer menos. - Sua benção, madrinha. - Benção não enche barriga. Já te dei uma. Podes ir só com essa. Com o resto enfebrecido, as lágrimas pendentes dos olhos e o passo incerto, deixei o corredor da casa a que nunca mais voltaria. O professôr aceitou-me afinal de sócos, cedendo às sú– plicas de minha avó, e foi com êles que en~rei no' palco da vida para representar a minha primeira comédia, de que era figu– rante medíocre. E foi, igualmente, tamanqueando que cruzei a soleira da adolescência". A noite · Paulo Maranhão frequentava a escola e aos pri– meiros albôres' da manhã saltava da rêde e ia trabalhar nas ofi– cinas da Amazon River. Aprendia o ofício de serralheiro e, tra– balhando 12 horas por dia, g~nhava trezentos réis que, aos sá– bados, bem somados deixava no regaço de sua avó para garantir a comida da semana. "Foi na máquina do meu aprendizado, diz êle, que muti– lei dois dedos, um em cada mão, mas tenho três que só prestam para deitar na lata do lixo. O terceiro é o mindinho da canhota; - 61 -
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