Revista da Academia Paraense de Letras 1964
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE ·DE LETRAS se tornou evidente uma primeira decorrência extravagante do espírito acadêmico. Ali se reuniam homens socialmente desi– guais, numa época em que a desigualdade parecia um fôsso intransponível. Ao participarem, todavia, daquelas reuniões, onde os assuntos eram estritamente culturais, as cadeiras idênticas e o tratamento recíproco mantido no mesmo plano - êsses quarenta cidadãos que, em qualquer outro lugar, esta– riam afastados pela hierarquia, sentiam-se repentinamente pla– nificados pela missão. Por outro lado, cada qual dêles seria incapaz, sozinho, da menor resistência. Porém· o conjunto hauria uma fôrça especial e nova da solidariedade latente que, pouco a pouco, se manifestou em atitudes de progressiva autonomia. No ano seguinte ao da sua fundação, tiveram os acadê– micos o primeiro ensejo de demonstrar que não seriam servis, mesmo ao seu fundador. Um dramaturgo até então desconhe– cido - Pierre Corneille - acabara de apresentar "O Cid", obra prima com a qual se inaugurava o "século de Luiz XIV". París inteira, durante meses, aplaudiu com entusiasmo inaudi– to. Exceto Richelieu. Corneille era protegido pela Rainha Ana d'Austria, inimiga do Ministro. O Cid exaltava o cavalheirismo espanhol, e a França estava em guerra com a Espanha. A peça defendia o duelo, como solução para questões de honra', e o govêrno proibir-a os duelos. Enfim, Richelieu também era autor dramático e Corneille criticara com severidade uma das suas peças. O Cardeal poderia interditar o Cid. Isso, contudo, não o satisfaria. Desejava ferir mais fundo, queria uma condenação literária duradoura áo invés de uma condenação política tran– sitória. E exigiu da Academia recém-nascida um pronuncia– mento destrutivo. Era uma prova terrível. A recusa frontal im– plicaria na morte da instituição; a obediência completa, no seu descrédito irremediável. Alegaram os acadêmicos que seus estatutos não lhes permitia julgarem qualquer obra senão com a aquiescência do autor. Tal consentimento foi arrancado de corneille, mas firmou-se o preceito de não se julgar à revelia. E uma primeira comissão apresentou relatório que Richelieu anotou de próprio punho, rejeitando-o por excessiva benevo– lência. ' Revisto várias vêzes, o parecer, afinal, foi publicado. Dêle disse La Bruyere que é uma obra prima de crítica, assim como o Cid é uma obra prima de teatro. E o próprio Corneille, se jamais aceitou as ponderações sôbre o estilo, reconheceu-as quanto à gramática, corrigindo numerosos versos apontados pela Academia. Dez anos depois, ali era recebido .. . Na segunda metade do Século XVII a luta das Academias pela liberdade teve o seu instante_ acaracteristico no preenchi– mento da vaga de Colbert. Candidataram-se La Fontaine e - .283
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