Revista da Academia Paraense de Letras 1964
REVISTA DA ACADEMIA PAHAENSE DE LETRAS sãos. Quanto aos trabalhos do seu meio século inicial, nenhum mais sintomático do exagêro da autoridade que o Dicionário da Academia. Nêle não se visou apenas coordenar a língua, porém, policiá-la. Se trouxe as vantagens da ordem, também trouxe os defeitos do arbítrio. Seu inspirador, Vaugelas, cujos "Remar· ques sur la langue trançaise" constituem a primeira gramática co1Tentia dos idiomas neo-latinos, curvava-se ao prestígio do uso, porém reduzido ao que denominava "le bon usage", isto é, a linguagem da côrte, com restrições, se não com desprêzo, pela linguagem do povo. Pretendeu, assim, instituir uma espé– cie de ditadura dos vocábulos. O correto e o incorreto depen– deriam do enquadramento nas suas listas. Decretou a morte de palavras que, apesar disso, tiveram longa vida e prognosticou a sobrevivência de outras que, antes de findar o século, desa– pareceram para sempre. Palavras houve que tiveram padrinhos e perseguidores e, graças a uns e outros, conseguiram se manter ou foram alijadas no vocabulário oficial. Chapelain, também fundador da Academia, ironizou êsse despotismo sôbre a lin– guagem numa passagem famosa: "Si felicité n'est pas français, il le será l'année prochaine: - M. Vaugelas m'a propis de ne pas lui être contraire, quand nous soliciterons pour lui". Seria injusto, entretanto, debitar às Academias os peca– dos do absolutismo. Nada, no século XVII, escapou à hipertro– fia do poder pessoal: - a Igreja como o comércio, as artes como os exércitos. No meio, todavia, da opressão generalizada, as instituições acadêmicas progrediram sem cessar no caminho da liberdade. Fato significativo, nos seus albores, foi a hesita– ção dos companheiros de Conrart em aceitarem a benevolência de Richelieu. Temiam perder sua feliz e livre obscuridade. Afinal, expedidas as cartas patentes pelo Rei, em 1635, o Par– lamento sómente três anos depois as registrava, demora que se explica por temores inversos. A universidade protestara, re– ceando a concorrência da nova instituição. O Parlamento des– confiava que o terrível Cardeal disfarçasse, sob a aparência do estímulo à literatura, algum perigoso desígnio político para diminuir ainda mais os últimos órgãos fora do seu contrôle onipotente. Foi necessária uma carta tranquilizadora de Ri– chelieu - o mais antigo documento na história da independên– cia das Academias - garantindo que os acadêmicos tinham objetivos muito diversos daqueles presumidos pelos parlamen– tares. O ministro era sincero, a seu modo, mas a evolução pos– teri-0r revelaria que também êle avaliava mal o verdadeiro des– tino da instituição que acabava de fundar. Dentro em pouco - 282 -
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