Revista da Academia Paraense de Letras 1964
REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS atividade, não é garantia de transferência para outro. O fato de um poeta ser um bom poeta não implica necessàriamente em estar certo na ideologia que defende de permeio com seus versos. Newton é um nome imortal na matemática, mas já hoje ninguém lhe ouve f_alar na teologia que escreveu. Graciliano Ramos terá sido um dos ·mais notáveis romancistas brasileiros contemporâneos, o que não impede de considerarmos detestá– veis as suas maneiras em sociedade, que o levaram pràticamen– te à misantropia. Euclides da Cunha, ensaísta vigoroso e mag– nifico, não será certamente lembrado pelos seus conceitos de moral doméstica. Plínio Salgado, que enriqueceu o romance brasileiro com "O Estrangeiro", será recordado antes pela be– leza da frase símbolo, que tanto empregou nas suas criações no campo da ficção, do que pelos fundamentos do integralismo. O intelectual deve realizar-se, pois, sem qualquer res– trição, condicionamento ou subordinação. Deve ser livre na plenítude da própria Liberdade. A literatura, em particular, não pode compadecer-se com a limitação, com a conveniência, com .o mêdo. Será por isso que, depois de 30 anos de literatura engajada, condicionada aos interêsses do Partido Comunista da União Soviética, literatura usada como veículo de propagação da idéia política, explodiu na _Russia o protesto de Boris Pasternak. Protesto que não era só dêle. Protesto que não morreu sequer com a morte do poe– ta, porque logo se renovou no grito desassombrado de Yevtu– shenko, no esplendor de sua mocidade e diante dos milhares de ouvintes de seus recitais da poesia. Um homem como Yevtu– shenko, que viu correrem os anos de sua juventude sob as ter– ríveis tensões da guerra, confessa que aprendeu o conceito de paz através da expre_ssão antônima : "A palavra paz só pode ter concreta significação para aquêles que sabem o que é a guerra", diz êle. "Se fôsse possível ser grato, de alguma maneira à guerra, eu lhe seria por ela me haver prop0rcionado a pre~isa compreensão da paz". A uma sensibilidade assim trabalhada nos horrores da guerra, haveria de repudiar a violência dos tiranos. Tão pron– to desmoronou o poder policial de Stalin, a geração de Yevtu– shenko juntou-se à velha geração de Boris Pasternak, dénun– ciando as peias ideológicas impostas à criação literária e artís– tica na União Soviética. Os anseios de Liberdade plena eclo– diram na sua autobiografia tão discutida: "Nunca o velho di– tado bíblico - nem só de pão vive o homem - teve tamanho sentido de verdade como hoje!" Qualquer que seja o tempo sob o qual se esmague a li– berdade de concepção ou de criação artística, jamais se conse- - 196 -
RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0