Revista da Academia Paraense de Letras 1964
I REVISTA DA ACADEMIA P AnAENSE DE LETRAS Porém, é certo que um dia, dentro do seu próprio plano de irracionalidade, atingirão deveras a sua destinação. E a expecta– ção é, de si mesma, tranquila porque não pressupõe um "risco", o que é próprio da esperança que, crendo no destino invisível, sabe que êle poderá, por suprema desgraça, perder-se para sempre. A esperança é tranquila. A paz dos filhos de Deus, alma da esperança, não é aquela sensaborona calma dos tíbios e dos burguêses, dos môrnos e dos ineptos, dos contentes e dos irra– cionais. Todos êstes têm de comum que são tranquilos, não querem ou não podem ou não sabem esperar, ou já deixaram de fazê-lo. Apenas o homem e o cristão - plenitude do homem - têm esperança e, por isso mesmo são angustiados e sentem tôda grandeza e tôda tngédia do "risco" que a esperança implica. A sua felicidade está além. Os burguêses, por exemplo, são calmos, mas não felizes. Como os irracionais. porque a calma completa é a negação da esperança e a esperança é o único caminho para a autêntica feli– cidade. Os homens, que esperam, não podem ser tranquilos, mas, êles só, conhec:em o segrêdo da paz. Ninguém pode confundir paz e tranquilidade. A paz casa-se com a angústfa e coexiste com o sofrimen– to mais aflitivo, com o mais sinistro pavor, com a mais intensa expectativa. Cristo sofreu e jamais perdeu a sua paz. Não se pode, porém, dizer que '€le fosse tranquilo, com a agitação que teve de sofrer e o·mêdo que teve de sentir. A sua atitude diante ·ao Calvário não foi a de um tranquilo, de um inconsciente,· de um irracional. Tremeu, porque era Homem e, como Homem, es– perou, se~ perder a paz, mas p_erdendo a tranquilidade. A angús– tia cristã é, pois, uma das mais coerentes consequências da es– perança. A paz d_o cri~tão,. ao contrário da tranquilidade qu~ é expressão da fe n~ 1med1at? e no temporal e _no "eu", _ a paz do ciristão patenteia a confiança no supratemporal, naquilo que o tempo não é capaz de abalar nem a dor capaz de tolher nem 0 infortúnio capaz de arrebatar nem a morte capaz de delir. A paz do cristão, quando jaz destruída a confiança "eu", em face de suas deficiências e limitações, patenteia esplêndidamente a fé em Deus, fundamento da esperança. "Ommia possuem in oe qui me confortat''. Não po?e h!ver esperança sem paz nem paz sem esperança. Ao contráno~n~o pode haver tranquilidade sem falta de esperança e sem ausenc1a de paz. - 170-
RkJQdWJsaXNoZXIy MjU4NjU0