Revista da Academia Paraense de Letras 1964
SAUDADE EDGAR PROENÇA 1) Você conhece a saudade? Foi assim, sorrindo fei– ticeiramente, que você, minha amiga, ainda ontem me inter– pelou, curiosa, inqui~ta, pedindo-me abordasse êsse tema, que tem dado motivo às mais encantadoras páginas dos poetas e prosadores. Parece-me que não existe na linguagem portugue– sa um vocábulo que merecesse tanto estudo e até hoje ninguém soubesse exatamente defini-lo. Mesmo Gan·et, que o conside– rou "um delicioso pungir de acerbo espinho", não satisfez à ansiedade dos corações que sofrem e que amam. A saudade é um dôce mistério na nossa vida. Surge-nos, como centelhas de luz rubricando a treva. Tem a penetração fria dos estiletes, tem revoltas e tem esperanças. Ah! A saudade! Lembra-se a gente de um sonho que nos fêz tão feliz, recordá-lo com amor e com a sofreguidão de vê-lo um dia voltar ... Nos corações que amam, à hora violácea do crepúsculo é quando mais a saudade vem e os abate. Principalmente quan– do a solidão nos rodeia. Você, menina, ainda não teve sau– dades de alguém ? Pois a saudade é um bem que nos faz mal, é um mal que nos faz bem. Veja-se, um dia, longe de um ente querido. Há em redor de vocês apenas o silêncio das madrugadas ou um sol que se esvai, levando consigo a lembrança da terra. Tudo, portanto, é meditação. E o seu coração acende os lampejos do afeto e derrama sôbre o seu espírito a inquieta visão de alguma coisa que lhe falta. É a presença do bem querido. As lágri– mas sobem às faces, a garganta fica presa, sufocada; o cora– ção está ofegante e tudo paraliza depois. Há uma vontade in– contida de voar, mesmo que fôsse nas asas de cêra com que lcaro fugia do labirinto de Creta, para que se chegue perto de alguem. Isso é, dor e é também, esperança, porque o alívio da lágrima que rolou e a lembrança perene que lhe visitou O pen– samento foram a consolação a falar em nome da saudade. -139-
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