Revista da Academia Paraense de Letras 1964

REVISTA DA ACADEMIA PARAENSE DE LETRAS vingança. . . Por fim, crê, ! olhava Sílvia como um pomo inatingível. E o resultado, foi transformar-se numa resig– nação pesarosa, todo o afeto que por ela, a princípio, senti. Mas, meu amigo, que encantadora mulher ! .. . Carlos Amado, um rapaz gordo e bonito, ouvindo, sor– ria, irônico, contemplando a voluta do cigarro. Era um homem que não se apaixonava. Divertia-se . Amava tô– das. Ou se querem: não amava uma mulher; amava a Mulher . Expeliu uma baforada de fumo . - Penso que fazes bem, - disse. Desvanece-te . ~sse feio hábito de se comprometer com mma só, faz a gente perder um tempo precioso, menino. Mas julgo que te enganas com referência à Sílvia. Não que ela goste de . ti; tenho motivos para pensar o contrário; com relação, po– rém, aos seus sentimentos. Vou revelar-te um fato que nunca disse a ninguém. Endireitou-se no divan, acendeu outro "Hollywood", e continuou : - Lembras-te quando estivemos no Mosqueiro no último verão . . . Não faz ainda seis meses. Pois bem : por êsse tempo, meu caro, Sílvia, pode-se dizer : andava apaixonada. Por quem? Não sei. Através da aparên– cia volúvel e inconstante onde existe um forte caráter de mulher, afirmo-te! eu divisei, algumas vezes, vestí1:,ios de um sofrimento oculto. Por fim, como de uma vez a sur– preendesse a chorar, contou-me depois de instâncias mi– nhas, movidas pela curiosidade, numa alta prova de con– fiança, que gostava de um rapaz que estava destinado a uma prima. Que a própria mãe dêle a fizera ciente da situação do filho, o qual estava de pleno acôrdo, - pedindo– lhe, entretanto, reserva. E como eu lhe perguntasse o nome, ela me respondeu : - "Nunca !" Por aí vês que o coração de Sílvia há muito que lhe não pertencia. E per– feitamente se compreende, Raimundo, que ela procurando, para se esquecer, ríovos enlêvos, tivesse sempre a lhe per– seguir amorosamente os sentidos, a imagem do outro. Raimundo ouvia calado e deixara de sorrir. Em seu pensamento agitava-se um passado todo de quiméras, que, antes de serem saudades, se tinham transformado em mar– tírios . . . Era como que uma evocação dos seus próprios s?frimentos, que ressurgia. E depois, o ciume . . . um atroz cmme pelo que estava ouvindo . .. -- 114 -

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