Revista da Academia Paraense de Letras 1964
REVISTA DA ACADEMIA PARAEN'SE DE LETRAS çando em nosso pensamento, como uma ave cativa, os fragmen– tos daquêle prisma de faces multifárias que o bailado refletia, - fascinante painel de arte emocional, imperecível de genialida– de na razão estética do eterno espetáculo. Agora, a bailarina está prostrada. Na quietação do cama– rim, fechada e só, dorme em hipnose. É tôda o silêncio do tu– multo em que, momentos antes, se fundiam os grandes apelos de seus músculos elásticos. O doce apaziguamento de sua carne marca limites en!re a concepção reflexa da vida e o gôsto exótico da morte. Mas, o espírito da bailarina não repousa. No imenso dulçor da queda física, desvia-se para o efêmero. Tem sêde de infinito e adeja, em ronda insatisfeita, pelos caminhos das estrêlas. Li– berto do corpo em letargia, continúa a dança que êste interrom– pera. Desloca-se para os prados e, colibri sôfrego, vai de corola em corola, haurindo néctares acídulos. Oscula as relvas, afaga as fontes, busca as paisagens; beija ramagens e palmais, dançan- • do sempre, bailando tonta, em desvairada busca do Impossível, do Intangível, do Inatingível. Galga as montanhas, atinge os picos e pula para a Via– Láctea; e vai, de estrêla em estrêla, em saltos rítmicos e doidos rodopios, bailando sempre, dançando sôfrega e alucinadamente, na ânsia de encontrar e de atingir, ~orno na própria miragem da sua arte, talvez o "fim" do Infinito! .. . ... ... ... ...... .. . ..... .. . .. .. . . . No morno recesso do camarim, fechada e só, a bailarina desperta. Restituída dos cansaços que a extenuavam, retorna à posse da inteligência, - viçosa e esbelta flôr de carne, núa e impalpável como no sonho de um fauno. E surge-lhe, então, do fundo espêsso da penumbra, como em raconto de Grimm, 0 es– pectro fúmeo do Ballet. Já da orquestra, à distância, vinham os primeiros agoirais ac_ordes ~ª. Dança Macabra, ~e Saint-Saens, sugerindo a impressao vertlgmosa de um turbilhão aéreo em fuga da terra, para voltear no espaço, como os planetas. - Que queres mais de mim? - indaga espavorida, a bailarina. . - A fluidificação ~o que, ~m ti, _ain_da. é_ matéria apo– drecível. Carne, sangue, pus e lágrimas sao ms1d1osas degrada– ções das graças sagradas que recebeste para os milagres da in- 108 -
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